Entre o verniz e o vazio: a era da embalagem - Por Jorge Tardin

Entre o verniz e o vazio: a era da embalagem - Por Jorge Tardin

Em um tempo não muito distante, ser era mais importante do que parecer. Hoje, vivemos o contrário. O mundo gira na vitrine — e o conteúdo, muitas vezes, fica esquecido no depósito.

No artigo anterior, propus a ideia de um “direito à integridade cognitiva” — a necessidade de proteger a formação da consciência diante da manipulação algorítmica. Mas essa distorção da percepção não é apenas digital. Ela reflete a lógica da sociedade do consumo de massa, que transforma tudo em produto, até mesmo nossas emoções. Os algoritmos, aliás, são seus melhores aliados: padronizam desejos, simplificam debates e nos vendem até a indignação em formato de stories.

O escritor uruguaio Eduardo Galeano já denunciava: “vivemos numa cultura onde o funeral importa mais que o morto, o casamento mais que o amor, o físico mais que o intelecto”. A frase continua atual. Talvez porque hoje até o luto vire post, e o amor, algoritmo de match.

No Direito, deveria haver espaço para reflexão, método e equilíbrio. Mas o que se vê é a valorização excessiva da forma. Petições repletas de citações — mas vazias de propósito. Audiências com postura — mas sem escuta. Decisões solenes — mas frágeis na essência. Para resistir, é preciso resgatar práticas simples: um juiz que prioriza a mediação em vez do jargão processual; um advogado que substitui a retórica inflamada por provas concretas. São gestos pequenos, mas que desaceleram a engrenagem do consumo rápido de justiça.

Na advocacia, antes um exercício de construção crítica, a estética do desempenho domina. O feed virou currículo. O engajamento virou chancela. A forma virou escudo contra a exigência de pensar.

Na política, o fenômeno se repete. Não se vota mais em ideias. Vota-se em quem melhor encena indignação. O gesto substitui o argumento. O marketing captura o lugar da mediação.

Nas redes sociais, vivemos a tirania das curtidas, onde cada like válida não o conteúdo, mas a confirmação do que o seguidor já espera. Recompensa-se quem polariza, não quem constrói.

Na educação, o saber foi compactado em frases curtas, vídeos rápidos e trilhas virais. A dúvida — motor da aprendizagem — virou fraqueza. Desconfia-se de quem aprofunda. Valoriza-se quem simplifica, mesmo quando simplifica errado. Como resistir? Um exemplo está em escolas que trocam a decoreba por projetos: alunos discutindo ética a partir de conflitos reais da comunidade, em vez de repetir teorias desconectadas. É a educação devolvendo o gosto pelo processo, não pelo highlight.

Não se trata de negar a clareza ou a boa comunicação. O problema começa quando a forma esconde a ausência de conteúdo.

O desafio é inverter essa lógica. Reaprender a valorizar o que sustenta. Reconstruir a ideia de que o conteúdo — o argumento, o propósito, a integridade — ainda importa.

Em uma sociedade do consumo de massa, onde até a verdade corre o risco de virar embalagem, proteger o conteúdo é mais que uma escolha: é um ato de resistência.

Advogado especialista em responsabilidade civil. Tesoureiro da OAB-Búzios - : jorge@tardin.com.br

Por MBL - MOVIMENTO BRASIL LIVRE em 12/05/2025
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