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Análise de Renzo Barroso, advogado e colunista
A discussão sobre um possível afastamento de Eduardo Bolsonaro por faltas não se decide por slogans de rede social, mas pelo que está escrito — e vale — na Constituição brasileira e no Regimento da Câmara. A regra constitucional é objetiva: perde o mandato o parlamentar que, em cada sessão legislativa, faltar a um terço das sessões ordinárias da Casa sem estar em licença ou em missão autorizada pela própria Câmara. Quando essa hipótese se configura, não há “voto político” do Plenário: a Mesa Diretora declara a perda, assegurando ampla defesa, porque se trata de um efeito vinculado a fatos verificáveis (presenças e justificativas). É aritmética e documento, não retórica.
Foi nesse cenário que surgiu a tentativa de transformar o deputado em líder da Minoria, como se o título funcional operasse uma blindagem automática contra a contagem de faltas. Do ponto de vista jurídico, a resposta correta é simples: liderança não é, por si, “missão autorizada”. Missão é ato formal e atual da própria Câmara, com objeto e prazo definidos, usado para justificar ausências no período que cobre. Sem esse ato específico, não há salvo-conduto. A leitura dominante na doutrina e em pareceres públicos vai no mesmo sentido: funções de liderança podem fundamentar pedidos de autorização, mas não substituem a autorização que a Constituição exige.
Há um detalhe técnico que precisa ser lembrado com todas as letras: a Constituição manda contar sessões ordinárias. Sessões extraordinárias não entram na conta do “um terço”. Também não entram, por óbvio, períodos cobertos por licença válida ou por ato formal de missão. Assim, o teste jurídico ao fim de cada sessão legislativa é direto: somam-se as presenças nas ordinárias, excluem-se os intervalos cobertos por licença ou missão, e verifica-se se as ausências injustificadas ultrapassam o limite. Se ultrapassarem, a consequência é a declaração de perda do mandato pela Mesa, com o exercício pleno da defesa; se não ultrapassarem, não há perda — e ponto.
Quem defende o mandato sustenta que a liderança da Minoria é atividade institucional relevante e que, por isso, poderia amparar compromissos fora do País ou fora do Plenário. Esse argumento só se sustenta se houver ato específico da Casa autorizando a missão que justifica a ausência. É aqui que a hierarquia normativa importa: nem resolução antiga, nem ata pretérita, nem arranjo político substituem o texto constitucional. O que vale é autorização atual, escrita e compatível com o interesse público do mandato, cobrindo o período das ausências. Sem isso, faltas contam.
No plano processual, não há mistério. Casos de quebra de decoro são apurados pela Corregedoria e pelo Conselho de Ética, com deliberação do Plenário por maioria qualificada. Já a perda por faltas — exatamente a hipótese do art. 55, inciso III — segue rito próprio: a Mesa declara, de ofício ou por provocação, com contraditório e defesa. É um mecanismo de responsabilização objetiva, desenhado para coibir o esvaziamento do trabalho parlamentar independentemente de alinhamentos partidários.
A situação administrativa específica da liderança, por sua vez, depende de ato do Presidente da Câmara para se consolidar. Sem esse ato, a condição permanece pendente; com o ato, continua não havendo imunidade automática. Em qualquer dos cenários, o que decide é a planilha de presenças nas sessões ordinárias e a documentação de licenças e missões efetivamente concedidas no período. O resto é ruído político.
Em síntese, este caso não se resolve por atalhos, mas pelo que a Constituição brasileira manda e pelo que os documentos mostram. Se, no fechamento da sessão legislativa, as faltas às sessões ordinárias excederem um terço sem cobertura por licença ou missão autorizada por ato formal da Câmara, a Mesa deve declarar a perda do mandato, garantindo a defesa. Se houver autorização idônea que cubra as ausências, não há falta. Título de líder é fato político relevante; não é escudo jurídico automático. Para o leitor, a tradução prática é exigir transparência objetiva: publicação clara do quadro de presenças, licenças e missões, dia a dia. Cumprir a Constituição é proteger o voto, a integridade do Parlamento e o dinheiro de quem trabalha e paga impostos. É assim — com regra clara, prova documental e respeito institucional — que se encerra a controvérsia, qualquer que seja o nome do deputado da vez.
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