O delegado Capitão do Mato

Siro Darlan, advogado, Vice-Presidente da Academia Brasileira de Letras do Cárcere.

O delegado Capitão do Mato

“Capitães do mato” eram serviçais, muitas vezes nomeados pelas Câmara Municipais, contratados para capturar escravos fugitivos, atuando como agentes de repressão e manutenção do sistema escravista.

O fundador da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis, em seu conto “Pai contra mãe” retratou a figura do capitão do mato. O artista alemão Rugendas (1822-1825) retratou um capitão do mato, montado a cavalo e puxando um cativo com uma corda.

A mídia fluminense, quando da prisão do MC Poze, reproduziu a mesma cena, quando a polícia do Delegado capitão do Mato invadiu sua casa, humilhou-o diante da família, e mesmo não havendo qualquer reação, foi arrastado de sua casa pelos modernos capitães do mato, que nunca saíram de moda nessa sociedade de maioria negra, mas onde a aristocracia, através de seus instrumentos de repressão, continua tratando os negros como faziam os personagens de Rugendas e Machado de Assis.

O atual capitão do mato, um delegado que aspira um cargo politico, por isso, nas vésperas de um ano eleitoral, dedica-se a perseguir jovens negros da periferia que alcançaram o sucesso com suas poesias e musicas criadas da realidade sofrida e violentas das favelas e periferias brasileiras.

Esse delegado foi capaz de, impunemente, instaurar um inquérito policial no Rio de Janeiro por fato ocorrido na cidade de Santa Isabel, interior de São Paulo, baseado em fotografia de um show protagonizado pelo rapper Oruam, onde portava uma arma de brinquedo para apresentar uma música que cantava.

Embora a perícia tenha afastado que se tratasse de uma arma capaz de disparar projéteis, e a mesma pericia sequer identificar o personagem na foto, o capitão do mato policial falseou um relatório e enviou ao Guizo de Santa Isabel, onde conseguiu num mandado de busca e apreensão, que cumpriu de forma exorbitante com diversos excessos não apenas na casa do Oruam e sue convidados, mas na de sua mãe com quem não habita há mais de cinco anos.

Mauro, nome artístico Oruam, é um jovem negro de sucesso que ficou muito rico antes de atingir 25 anos, obteve mais de 20 milhões de seguidores nas redes sociais, e é idolatrado pelas crianças e adolescentes pelo seu carisma, que lembra o falecido Michael Jackson, muito aprimorado.

Suas letras forte e desafiadoras cantam a realidade do povo dos quilombos modernos, e já foi considerada pelo Chefe de Polícia como mais perigosas que os fuzis, com os quais a polícia do Rio de Janeiro promove uma verdadeira chacina de jovens negros e pobres da periferia, a quem chamam, sem qualquer tipo de prova, de “bandidos perigosos”, “faccionados”, “traficantes”, e, portanto descartáveis e matáveis. Questionado pelo apresentador da Rede Globo Flavio Fachel se tinha alguma prova d e suas acusações, nada apresentou para a sociedade.

A perseguição aos jovens poetas e cantores negros das comunidades das grandes cidades é uma forma de criminalizar o povo negro e impedir sua ascensão social e cultural, além de uma organização da resistência para obter as necessárias conquistas que começa com o respeito, a sua cultura, sua linguagem e seu modo de viver em liberdade.

Como disse antes, pode um delegado que sofreu uma legítima representação por abuso de autoridade bater às 23 horas com um carro descaracterizado, afrontando o cantor e seus vizinhos sob o pretexto de cumprir um mandado de busca e apreensão de um adolescente em conflito com a lei?

Está esse capitão do mato nitidamente buscando caçar seu desafeto por ter esse solicitado, como é direito de todo cidadão, que os abusos de autoridade praticados pelo delegado fossem apurados pelo Ministério Público. Não podem as autoridades judiciais aceitarem esse papel de cúmplices dessas artimanhas porque juraram cumprir e fazer cumprir as leis e a Constituição do Brasil.

0Cabia também aos capitães do mato, além de prender os escravizados, destruir os quilombos, como fazem com suas operações diárias de violência contra o povo pobre e negro trabalhador das favelas e periferias das grandes cidades.

Por Jornal da República em 23/07/2025
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