O silêncio diante do aplauso

Por Prof. Jorge Tardin

O silêncio diante do aplauso

A homenagem que a Académie Française fará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é apenas um gesto cerimonial. É um acontecimento carregado de simbolismo histórico — e, no Brasil, também de tensões narrativas. Trata-se da mesma instituição que inspirou a criação da Academia Brasileira de Letras, e que agora presta tributo a um operário nordestino que não domina idiomas estrangeiros, mas cuja trajetória política atravessou fronteiras.

Lula será o segundo brasileiro homenageado oficialmente pela academia fundada por Richelieu, em 1635 — o primeiro foi Dom Pedro II, em 1872. E será o primeiro vivo a receber tal distinção.

A assimetria entre os dois é evidente: de um lado, o imperador erudito; de outro, o líder popular autodidata. Mas é justamente essa diferença que evidencia o ponto central: a resistência de parte das elites nacionais ao reconhecimento internacional de figuras que não se enquadram em seus modelos culturais e políticos.

No ambiente institucional brasileiro, o silêncio é notável. A própria Academia Brasileira de Letras, presidida por Merval Pereira — articulista com presença destacada no rádio, na televisão e na imprensa escrita — ainda não se manifestou sobre a homenagem. Poderia ser prudência. Mas também pode revelar um desconforto mais profundo: quando o mundo aplaude quem a mídia tratou por anos como um corpo estranho, a reação quase inevitável é o constrangimento.

Esse silêncio, entretanto, não é ausência de discurso — é deslocamento narrativo. A cobertura política, por vezes, desloca o foco do essencial para o lateral. Exemplo recente: durante a visita de Lula à China, quando foram firmados acordos bilionários em áreas estratégicas, o protagonismo editorial de certos veículos concentrou-se nos trajes de Janja e em sua presença no protocolo. Perdeu-se o conteúdo e ganhou-se a caricatura. A informação foi ofuscada por uma estética editorial que escolhe o que ver para invisibilizar o que de fato deveria ser visto.

Essa lógica narrativa não é apenas estética. É política. E, mais do que isso, é juridicamente relevante. A informação qualificada, clara e não manipulada é um direito assegurado ao consumidor (art. 6º, III do CDC), e também é uma garantia constitucional, tanto como direito fundamental (art. 5º, XIV) quanto como princípio da ordem econômica (art. 170, V da CFR/88).

Ou seja, não é lícito ocultar o relevante sob o pretexto do entretenimento jornalístico. O leitor, o ouvinte, o telespectador — todos são sujeitos de direito informacional. E quando há manipulação ou omissão intencional, a relação de confiança entre mídia e público é violada — com repercussões que não são apenas éticas, mas constitucionais.

A homenagem em Paris não é isolada. Em Nova York, uma estátua de Lula já havia sido erguida — a única da cidade dedicada a uma pessoa viva. No Brasil, em contrapartida, há silêncio. Ou, mais precisamente, há ruído: uma insistência em pautas marginais que obscurecem os fatos centrais.

É evidente que Lula é uma figura controversa. Como todo político de trajetória longa, tem erros e acertos. Mas a crítica legítima não deve se dar às custas da desinformação estrutural. O direito à divergência não pode justificar a omissão deliberada de fatos relevantes.

A Rede Globo, que durante décadas moldou parte da narrativa institucional do país, levou quase cinquenta anos para pedir desculpas públicas pelo apoio à ditadura militar. Um gesto simbólico e necessário. Resta saber se os vícios editoriais contemporâneos também terão seu reconhecimento — ou se seguirão invisíveis sob o manto da normalidade editorial.

O Brasil mudou. E o povo brasileiro — como sujeito de direitos fundamentais — exige mais do que opinião: exige transparência, informação honesta e respeito ao seu direito de saber. Isso é mais do que justiça de consumo. É justiça constitucional.

Talvez, no fim, a homenagem francesa diga menos sobre Lula e mais sobre nós — e sobre a dificuldade de certas instituições em aceitar que, quando o mundo aplaude, talvez seja o caso de escutar.

Jorge Tardin é prof. de Direito - jorge@tardin.com.br -  @jorge_tardin_prof

Por Jornal da República em 25/05/2025
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