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No dia 11 de setembro, quando lembramos os 24 anos da queda das Torres Gêmeas em Nova York, o STF julgava e condenava políticos e militares golpistas que atentaram contra o estado democrático de direito.
Na mesma data um jovem negro e periférico, autor de poesias que contam a realidade de sue povo era mantido preso, sem sentença ainda e sem qualquer periculosidade, assim como milhares de outros cidadãos e cidadãs afrodescendentes ocupam a fétidas celas do sistema penitenciário, declarado pelo STF como em “estado de coisa inconstitucional” sem terem sido sequer julgados.
Enquanto aqueles que por sua real periculosidade, responderam o processo em liberdade, nenhum negro, nem pobre, Oruam é mantido no cárcere acusado de crimes impossíveis e se cometidos, o foram mediante provocação de um delegado, seu “Brilhante Ustra”, que o persegue desde que instaurou um inquérito policial para apurar fato ocorrido em São Paulo, onde o cantor fez uma apresentação portando uma arma de brinquedo, tendo sido acusado por seu torturador de “disparo de arma de fogo em via pública”.
Ora na apresentação no interior de São Paulo, os policiais não viram qualquer tipificação na atuação artística. Se tivesse ocorrido teria sido preso em flagrante.
A pericia do próprio delegado afirmou não ter como afirmar ser o artificio utilizado uma arma de fogo, e, ainda, não ter como afirmar quem seria o vulto fotografado. Logo essa aberração continua sendo sustentada por instâncias judiciais para promover as chibatadas diárias em um jovem cantor de periferia. Cada dia que Oruam for mantido preso, evidencia-se a prática do racismo e representa mais uma chibatada no lombo do negro.
Segundo nos ensina a Professora Anamaria Prates Barroso in https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/o-nao-racismo-como-principio-constitucional-processual-penal A Constituição de 1988 contempla em diversos de seus dispositivos o repúdio ao racismo:
• a ausência de preconceito como um dos valores que norteia a Constituição servindo como diretriz de interpretação e aplicação das normas (preâmbulo);
• a promoção do bem de todos sem preconceito de raça como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (artigo 3º, IV);
• o repúdio ao racismo (artigo 4º, VIII) como um dos princípios que regem as relações internacionais;
• o princípio da igualdade (artigo 5º, caput) que desdobra em prescrição de legislação para punição de qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 5º, XLI) e na criminalização do racismo (artigo 5º, XLII);
• proibição de diferenças salariais em razão da cor (artigo 7º, XXX); e na
• proteção da criança, do adolescente e do jovem contra a discriminação (artigo 227).
O princípio do não racismo é uma manifestação do princípio da dignidade da pessoa humana e do princípio da igualdade, indo além da igualdade perante a lei, contemplando a ideia de vedação a práticas racistas. O não racismo, não como negação do racismo, mas como um ideal que tem por objetivo superar práticas racistas.
Estranho que esse mesmo delegado, a serviço de interesses eleitoreiros, uma vez que o Chefe da Policia Civil que deu essa “missão” a seu subordinado é abertamente candidato ao Parlamento, tenha promovido diversos atos de provocação ao jovem cantor de trapp, chegando mesmo a ir, pessoalmente, com viatura descaracterizada as 23:00 horas na porta da casa do Oruam provocá-lo a uma reação, em legítima defesa de seu patrimônio e pessoas que o acompanhavam, pensando estar seu amigo sendo vítima de um sequestro. Mesmo assim reagiu com pedras, reação infantil, e não com tiros, reação de criminoso, as agressões que então estava sofrendo. Mas ele é negro e optou pelas artes e não pelo crime.
O valor fundamental do não racismo, inserido na Constituição Federal, é muito mais amplo do que a criminalização de condutas racistas. O princípio do não racismo – que deve ser interpretado no processo penal para além da noção de paridade de armas – reflete, de forma direta, nos diversos outros princípios constitucionais aplicáveis ao processo penal.
Pesquisas empíricas e dados estatísticos confirmam a realidade de que o negro é a parcela mais afetada pelo sistema de justiça criminal. A ligação estreita entre racismo e punição não é recente. A análise histórica da legislação penal e processual penal e do sistema de justiça criminal permite constatar que o negro, desde a época da escravização, é o alvo preferencial do sistema de justiça criminal.
Com o fim da escravização, o Estado assume o lugar dos senhorios, alterando os castigos para a punição penal. E o veículo que conduz à efetivação da criminalização do negro é o processo penal, sendo as agências de criminalização coadjuvantes das práticas processuais penais racistas. O racismo é um catalizador de práticas processuais penais.
• No caso dos negros quando constatamos que são os mais abordados pela polícia, são os mais condenados, são os mais presos, são os mais mortos, evidenciando um impacto diferenciado em relação à realidade das pessoas brancas, escancara a fragilidade do princípio da igualdade, motivo pelo qual o princípio do não racismo deve ser fortalecido como uma decorrência da igualdade.
• No campo processual penal o princípio do não racismo tem um duplo aspecto: a) quando coíbe o legislador de elaborar leis que possibilitem a discriminação processual penal racial, ou seja, que na mesma situação diferencie os sujeitos em razão da cor/raça; b) quando impede que o negro, quando submetido ao sistema de justiça criminal, receba um tratamento diferenciado do dado aos não negros, em razão de sua cor/raça, impedindo a seleção penal racial, vedando práticas processuais penais racistas.
• A interpretação do princípio do não racismo deve se dar dentro do conceito de discriminação positiva, já acolhida pelo nosso ordenamento jurídico, para que o princípio da igualdade não seja “desculpa” para não aplicação do não racismo. A discriminação positiva é no sentido de serem adotadas medidas para que, em sendo a raça determinante para a seletividade penal, ela deve ser determinante, também, para neutralizar as consequências da seletividade penal.
• Reconhecer o princípio do não racismo como um princípio constitucional processual penal é reconhecer a necessidade de um processo penal democrático, justo, onde a seletividade penal não seja baseada em critérios de raça/cor. É dar um passo, dentre muitos necessários, para o combate ao racismo no nosso sistema de justiça criminal.
O que se propõe com processos persecutórios como esse, é o apagamento da chamada cultura da periferia, sob o falso discurso de que faz apologia do crime, se criminaliza a cultura, a linguagem, a música e os costumes criados nos guetos, motivados pelas diferenças econômicas, sociais e políticas que tem como fundo o egoísmo do capitalismo dominante.
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