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Jan Theóphilo Via Agenda do poder
O futebol do Rio de Janeiro tem paixões tremendas, e se orgulha dos amores eternos por times como Flamengo, Botafogo, Fluminense ou Vasco, mas a Guanabara também teve outros casos românticos, infelizmente fugazes, e talvez por isso, extintos. Entre ruas que hoje abrigam shoppings, antes havia campos de times que acreditavam ser eternos. E descobriram que a eternidade, no futebol carioca, costuma durar menos que uma chuva de verão em Copacabana.
Alguns eram tão raiz que não eram time de bairro, mas de rua, como o Haddock Lobo FC, da Tijuca. Outros ficaram famosos pelos insucessos retumbantes, caso da sapatada de 24 a 0 que Sport Club Mangueira levou do Botafogo, em 1909.
Outros se achavam tão chiques que abandonaram as competições para não se misturar com a gentalha. E tem aqueles que são lembrados pelos causos surreais, como o primeiro time a jogar de noite na América Latina — e à luz de velas—, este pela cor esquisita da camisa ou aquele que entrou para a história dos boleiros por rogar uma praga tão pesada que abalou seriamente um dos quatro grandes do Rio.
No fim, esses clubes extintos são como poesia inacabada: versos interrompidos, histórias que se dissolveram antes do ponto final. Há beleza nesse insucesso todo: o Rio nunca soube viver sem exagero. Os clubes que desapareceram foram estrelas cadentes do futebol, iluminando brevemente o céu carioca antes de se despedaçarem no chão — lembrando, com sarcasmo inevitável, que até o fracasso pode ser épico, desde que aconteça na Guanabara.
Andarahy Athletic Club
Fundado em 9 de novembro de 1909, o alviverde disputou o Campeonato Carioca com alguma dignidade. Ficou eternizado na canção “No Tempo de Don-Don”, do vascaíno Nei Lopes, que cita seu jogador mais conhecido: Antônio de Paula Filho, o famoso Don-Don. Mas sua melhor passagem pelo futebol carioca foi narrada em uma memorável crônica do jornalista Mario Filho.
Era dezembro de 1937, o Vasco já havia conquistado o campeonato e faria um jogo contra o Andarahy no campo do Fluminense nas Laranjeiras só para cumprir tabela. Chovia torrencialmente sobre a Guanabara, o Andarahy entrou em campo para aquecer, mas nada do Vasco. Logo veio a notícia: o ônibus com o time sofrera um acidente e iria atrasar.
O juiz, ensopado, lembrou ao capitão do Andarahy que já podia decretar W.O. e assim todos poderiam ir pra casa tomar sopinha. Mas o time do Andarahy, orgulhoso, decidiu esperar. O Vasco chegou, e não foi de leve. Sapecou 12 a 0 no rival molhado.
Assim que acabou o jogo, um reserva do Andaraí e pai de santo chamado Arubinha atravessou correndo o gramado alagado e se jogou de joelhos gritando: “Se existir um Deus, o Vasco ficará 12 anos sem vencer um título”. O Vasco levou nove anos para se livrar de inhaca, e o Andarahy sobreviveu até 1973.

Livro de Mario Filho descreveu episódio do pai de santo Arubinha com o Vasco | Crédito: Reprodução
Paysandu Athletic Club
Surgiu da transição do Paysandu Cricket Club, um clube de senhores finos fundado em 1872 no Leblon, precursor do esporte organizado no Rio. Ganhou o Carioca em 1912, se encantou por futebol, mas desistiu das competições em 1914.
Jornais da época disseram que os jogadores do Paysandu se achavam tão chiques que não quiseram se misturar com a baianada. Continua vivo até hoje no Leblon, mas apenas como um clube social.
Sport Club Mangueira
Foi o maior saco de pancadas do futebol carioca. Conhecido como o “rubro-negro tijucano”, este clube originado de operários da fábrica Chapéus Mangueira sofreu em 1909 uma derrota monumental por 24 a 0 para o Botafogo em 1909, com nove gols de Gilbert.
Também passou a história por ter sido o primeiro time a enfrentar o Flamengo em um campeonato oficial. E levou outra sapatada, dessa vez de 15 a 2. Desistiu do futebol em 1927 e seus remanescentes foram, literalmente, tocar a vida na Escola de Samba de mesmo nome.

Sport Club Mangueira da Tijuca ficou conhecido como saco de pancadas do futebol carioca | Crédito: Reprodução
Villa Isabel Football Club
Esse time de proletários era antes de tudo ousado. Fundado em 2 de maio de 1912 na Vila Isabel, Zona Norte do Rio, o clube, conhecido pelo nome poético “Club do Boulevard”, mandava seus jogos na Praça 7 de Março (hoje Praça Barão de Drummond) e, durante sua fase na elite carioca, utilizava o Jardim Zoológico de Vila Isabel.
Em 1914, ele protagonizou um momento histórico: realizou o primeiro jogo noturno da América Latina, um feito frequentemente mais lembrado do que qualquer taça que tenham levantado. A iluminação contou com 12 lâmpadas e….três mil velas, o que certamente deve ter atraído toda a comunidade wicca do Rio na época.
O Villa venceu por 4 a 0 um selecionado de jogadores de Campos dos Goytacazes que dificilmente devem ter esquecido aquela noite. Nos anos seguintes o futebol teve alguns lampejos, mas uma rota constante de decadência até encerrar as atividades na década de 1940.
Haddock Lobo Football Club
Clube de bairro tudo bem, mas clube de rua? Só mesmo na carioquíssima Tijuca, onde nasceu em 23 de julho de 1908. Foi o primeiro e único time a usar marrom no uniforme oficial que, aliás, era o puro luxo. Os jogadores vestiam camisas marrons com gola engomada, gravatas brancas, calções brancos e meias negras.
Sofreu goleadas retumbantes ao longo de seus escassos três anos de história, até que o clube da rua foi absorvido pelo clube do bairro, no caso, o América FC. Mas ainda assim deixou legado como a revelação do goleiro Marcos Carneiro de Mendonça, que fez história no Fluminense e na Seleção Brasileira.
Riachuelo Futebol Clube
É o chamado campeão frustrado do Rio de Janeiro. O time foi o primeiro campeão carioca da Segunda Divisão em 1906, mas não subiu. Uma bizarrice do regulamento da época previa que a ascensão à elite do futebol carioca deveria ser decidida após um mata-mata entre o campeão da segundona e o último colocado da primeira divisão, o Foootball and Athletic Club (falaremos dele adiante).
O Riachuelo perdeu. Ainda tentou umas caneladas até 1911 quando decidiu desmanchar o plantel e praticamente todos os jogadores migraram para o São Cristóvão.
Football and Athletic Club
O time de nome mais apalermado da história do futebol carioca foi fundado em 1904 na Zona Norte, participou da fundação da Liga Metropolitana de Football, disputou o Carioca de 1906 — quando ficou na pior colocação como tratado acima.
Os dirigentes então decidiram que a solução para todos os males era abrasileirar o nome do clube em busca de maior ressonância nas arquibancadas. Mas a recém rebatizada Associação Athletica Internacional não teve melhores resultados e sumiu do mapa em 1912.
Sport Club Brasil
O time da Urca metia a moral de ter o estádio mais bonito do mundo, que existiu mesmo, na Praia Vermelha, com o Pão de Açúcar ao fundo. Ele integrou as primeiras décadas do futebol carioca e chegou a contar com o craque Leônidas da Silva no elenco. Fechou as portas em 1935, relegado aos registros amarelados da memória boleira.
Syrio e Libanez Athletic Club
Fundado em 1921, foi extinto em 1930, quando disputava a elite do futebol carioca, e punido por um motivo peculiar. Na cisão do futebol carioca no fim dos anos 1920 surgiram duas ligas com nome de substância psicodélica: a LMDT (Liga Metropolitana de Desportoes Terrestres) e a Amet (Associação Metropolitana de Esportes Athleticos).
O Syrio não quis entrar na briga de ninguém e acabou sendo punido pelas duas ligas pelo mesmo motivo: não tinha um campo próprio, já que usava o terreno do Mangueira, na Rua Desembargador Izidro, na Tijuca — é aquela burocracia impiedosa impedindo a lenda de prosperar.

Plantel do Syrio e Libanez Athletic Club | Crédito: Reprodução
América Futebol Clube… de Três Rios
Ele é mais do que um clube é a verdadeira fênix do interior carioca. Já encerrou atividades e voltou aos gramados mais vezes do que venceu títulos. Sua maior conquista foi o Campeonato Estadual da Segunda Divisão em 1989. E a melhor fase veio na sequência, quando disputou o Campeonato Carioca de 1990 a 1993.
É o único time da lista que ensaia um retorno. No ano passado, depois uma década sem disputar partidas oficiais, o clube virou SAF, comprado pela Pier Empreendimentos Esportivos.
O clube pretende voltar aos gramados oficialmente no ano que vem. Para isso, a diretoria pretende inscrever e regularizar o América junto à Ferj e recomeçar a jornada na Série C, que é a quinta divisão do futebol do Rio.
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