Quem é Pezão, o líder invisível do CV

Após escapar da ocupação policial de 2010, Luciano Martiniano da Silva passou dez anos no Paraguai e voltou ao Rio com status de chefe

Quem é Pezão, o líder invisível do CV

Ele não é exaltado nos proibidões que homenageiam criminosos famosos em bailes das favelas sob o domínio do Comando Vermelho. Também não figura na lista dos mais procurados pela polícia após a megaoperação com ao menos 121 mortos na terça-feira (28) no Complexo do Alemão e Penha, Zona Norte do Rio. Após retornar do Paraguai há quatro anos, Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, passou a ser apontado como o líder invisível e símbolo da expansão do CV, que atua em mais de mil favelas no Rio e se espalhou pelo país.

Com mais de 15 mandados de prisão por crimes como homicídio, tráfico e formação de quadrilha, Pezão tem despistado as forças de segurança no Brasil e no exterior há quase duas décadas. Para isso, já obteve documento com nome falso e até usou farda da PM para escapar da prisão, segundo fontes ouvidas pela Agenda do Poder.

O status de “líder invisível” é reforçado até pelas forças de segurança. Edgar Alves de Andrade, o Doca, foi apontado como o inimigo nº 1 do Estado após a ação tida como uma das mais letais do mundo, superando operações contra Joaquín El Chapo Gusmán no México e contra as Farc na Colômbia.

O Disque Denúncia oferece recompensa de R$ 100 mil por informações que levem ao seu paradeiro, maior valor pago pelo serviço desde as buscas por Fernandinho Beira-Mar, há 25 anos. O MP elaborou um relatório detalhando como funciona a facção, com Doca no topo da hierarquia. Mas fontes da reportagem indicam que todas as ações dele precisam ser antes aprovadas por Pezão, apontado como o verdadeiro líder de um novo CV nas ruas.

CV deixou recado para moradores em meio ao plano de expansão de território no Rio / Crédito: Reprodução

Com maior organização com ações em todo o país e com força para enfrentar as forças de segurança para manter o seu território, a facção conta com um poderio bélico que inclui drones e cerca de mil fuzis à disposição dos soldados do crime no Complexo do Alemão e Penha, reduto do CV.

“É um território estratégico pela proximidade de vias expressas e da Zona Portuária. Mas tem uma questão simbólica e moral. A forma como o CV saiu em 2010 foi vexatória. E isso foi determinante para que depois voltassem de maneira mais violenta e preparados para resistir a qualquer nova tentativa de retomada”.

Robson Rodrigues, ex-comandante das UPPs e antropólogo

Ex-secretário da Polícia Civil, o delegado Marcos Amim diz ver uma facção com outro perfil sob o comando de Pezão. “O Comando Vermelho hoje tem armas de ponta, drones e engenharia militar para tentar impedir o avanço das tropas. A facção mudou de patamar, deixando de atender só o mercado doméstico e está em expansão no Brasil e no exterior”.

 

Corpos foram encontrados em área de mata após megaoperação policial no Alemão e Penha / Crédito: Ricardo Moraes / Reuters

Fuga ousada com farda da PM e ascensão no Paraguai

Pezão, que hoje tem 50 anos, começou a traçar a sua escalada ao poder no CV em novembro de 2010, quando já integrava a lista dos traficantes mais procurados do Rio em meio ao processo de pacificação das favelas que resultou na ocupação policial do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio.

Ele foi o único líder que conseguiu escapar do cerco em uma época de endurecimento nas ações contra o crime organizado, quando as prisões eram tratadas como se fossem uma coleção de troféus indicando a vitória do Estado na guerra contra o crime organizado.

Na época, Pezão chefiava o território apontado como o quartel-general da facção, mas ainda não integrava a cúpula do CV. Ele teria despistado as forças de segurança com um gesto de ousadia, em uma fuga pelo camburão e usando até farda da PM.

Pezão passou a atuar com venda de armas e drogas no Paraguai / Crédito: Reprodução

Mas passaria a alçar voos ainda mais altos. Pezão morou por mais de dez anos no Paraguai, onde adquiriu a experiência de intermediar a venda de drogas e armas para o Brasil. Naquele período, também teria investido em fazendas para morar em uma área rural do Uruguai.

“O Pezão passou a ter contato com o tráfico internacional já como liderança da facção, mas ainda não integrava a cúpula. Isso só ocorreu depois que ele passou a ter contato com traficantes internacionais e a fazer parte das políticas do CV”.

Capitão Daniel Ferreira de Souza, setor de Inteligência da PM

Ele também estava no país vizinho em um dos momentos mais relevantes na disputa de poder do crime organizado, quando Jorge Rafaat, conhecido como o Rei da Fronteira, foi morto a tiros de metralhadora em uma emboscada em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia na divisa com Ponta Porã (MS).

O episódio, que deu origem a uma guerra pelo controle do tráfico na fronteira, teria tido a participação de lideranças do CV. Contudo, não se sabe se Pezão teve algum tipo de envolvimento com o crime.

Pezão já com status de líder do CV nas ruas: criminoso voltou ao Rio depois de viver no Paraguai / Crédito: Reprodução

Documento falso no MS, retorno ao Rio como ‘rei’ e aliança com Doca

Nesse período de envolvimento com o tráfico internacional de drogas, Pezão chegou até a despistar as autoridades ao emitir uma identidade falsa, em maio de 2016 em Paranhos, no interior do Mato Grosso do Sul, na rota do tráfico internacional de drogas entre Brasil e Paraguai. Ele se identificava como se fosse o comerciante Pedro Henrique de Castro Araújo. Mas o documento acabou sendo cancelado após o caso vir à tona.

Pezão só voltou ao Rio no fim de 2021. As autoridades acreditam que ele tenha usado o documento falso para cruzar a fronteira entre o Paraguai e o Brasil sem ser preso. E o retorno ao seu reduto no conjunto de favelas do Complexo do Alemão ocorreu em grande estilo.

“Ele foi recebido como um rei. Os moradores fizeram questão de beijar a sua mão. E todos os bandidos do Rio foram ver a sua volta como a esperança de novos tempos, porque ele era ‘cria’ da comunidade. Ele é o líder invisível, que não ostenta essa posição. As resoluções saem dele. Mas quem leva a fama é o Doca”.

Fonte, que optou pelo anonimato

Autor do livro Autor do livro “Guerras, Líderes e Símbolos: A história das facções criminosas e milícias do Rio de Janeiro”, o capitão da PM Daniel Ferreira de Souza diz que Pezão voltou ao Rio por ordem da cúpula do CV. “O Pezão voltou para ser a nova cara da facção nas ruas em um momento de expansão pelo país, com um perfil mais discreto. A tática do CV é fazer com que os verdadeiros líderes não apareçam. O Pezão não aparece, mas manda”.

Quando Pezão retornou, o CV passava por turbulência. Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, era apontado como o líder da facção nas ruas. Com o auxílio de Doca, foi o responsável por intensificar as invasões a favelas rivais e a fazer uma improvável aliança com a milícia da Zona Oeste em uma negociação envolvendo Luiz Antônio da Silva Braga, o Zinho.

Mas acabou também cometendo assassinatos de pessoas ligadas a Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, líder máximo do CV preso, e sendo acusado de desviar dinheiro da facção, gerando uma ruptura.

“O Pezão assume o comando do CV nas ruas com o status de integrar a cúpula e de ter a experiência de ter sido traficante internacional. Ele retrata bem o perfil de um CV sem fronteiras. Tem a força, o poder de liderança e é discreto. É respeitado por toda a facção, e isso inclui o próprio Marcinho VP”.

Daniel Ferreira de Souza

Com a volta de Pezão, Abelha começou gradativamente a perder poder. Mas Doca seguiu com moral no CV. Agora, com a “bênção” do novo chefe.

Pezão foi gravado em suposta confraternização após assassinato de Tota, em 2008 / Crédito: Reprodução

Como foi o começo no mundo do crime

Pezão foi preso em 2005, acusado de chefiar a venda de drogas na favela da Grota, no Complexo do Alemão. Mas acabou sendo solto pela Justiça apenas 10 meses depois.

Foi quando teria recebido a missão de Marcinho VP e Fernandinho Beira-Mar, líderes presos da facção, para matar Antônio José Ferreira, o Tota, líder nas ruas à época.

Depois do crime, Pezão apareceu em vídeos em uma festa em uma suposta confraternização após o assassinato de Tota, que teria conduzido o criminoso ao posto de chefe local do tráfico em 2008.

Investigações da Polícia Civil na época do crime apontavam Pezão como um traficante “mais tranquilo”, que passou a proibir roubos de carros e confrontos em sua área de atuação para evitar operações policiais na região.

Vida de luxo na favela

Na ação mais recente das forças policiais contra as lideranças do CV no Complexo do Alemão, agentes localizaram uma casa de luxo que pertenceria a Pezão, em janeiro deste ano.

O imóvel é visto como uma fortaleza, e tinha uma porta semelhante a de um comércio para despistar as autoridades.

No local, os policiais encontraram piscina com deck de madeira, espaço gourmet, bancada em mármore e uma churrasqueira. No mesmo andar, o traficante ainda montou uma sala de cinema. Na sala, o teto era rebaixado e tinha luzes indiretas. Também havia no local uma banheira com hidromassagem.

A operação foi motivada por uma investigação relacionada a um esquema de lavagem de dinheiro e de financiamento da facção. Três suspeitos foram mortos e outros 13 acabaram sendo presos na ocasião, segundo a PM.

Via Agenda do poder

Por Jornal da República em 05/11/2025
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