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Por Renzo Pestana Barroso
A partir da próxima semana, os Estados Unidos iniciarão a aplicação de tarifas de até 50% sobre uma ampla gama de produtos brasileiros, em uma medida que já é considerada a mais aguda crise diplomática entre os dois países desde o início do século. A ordem executiva foi assinada no dia 30 de julho de 2025 pelo presidente norte-americano Donald Trump, que, em justificativa incomum, alegou “perseguição política” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal por envolvimento nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. A vigência oficial das tarifas foi confirmada para o dia 6 de agosto, conforme a versão final do decreto norte-americano.
Segundo apuração da Reuters, a sobretarifa será aplicada de forma seletiva: 35,9% das exportações brasileiras, em valor, foram excluídas da alíquota adicional de 40% (somada à base de 10%), o que reduz o impacto médio para cerca de 30,8% da pauta exportadora nacional. Foram preservados da tarifação setores como aeronaves (incluindo os modelos da Embraer), energia, suco de laranja concentrado e minério de ferro. Por outro lado, produtos como carne bovina e café permanecem integralmente afetados, o que gera preocupações severas entre produtores e exportadores.
O governo brasileiro reagiu com firmeza. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou a sanção tarifária como “uma afronta inaceitável à soberania nacional e à independência do Poder Judiciário brasileiro”. O Itamaraty confirmou que ingressará com recurso na Organização Mundial do Comércio (OMC), alegando que se trata de uma medida de represália política, sem justificativa técnica ou respaldo nas regras multilaterais de comércio. O vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciaram que o governo estuda linhas emergenciais de crédito, medidas para redirecionamento de exportações e reforço em acordos bilaterais com Europa, China e Mercosul — mas descartaram qualquer renúncia fiscal ou isenção tributária nesse momento.
A resposta dos setores empresariais tem variado conforme o grau de exposição de cada setor às tarifas. A Embraer, por exemplo, reagiu com alívio após ver seus principais modelos isentos da nova alíquota, preservando encomendas estratégicas para companhias norte-americanas. Já o setor de carnes, em especial os frigoríficos voltados à exportação, estima perdas superiores a US\$?1,5 bilhão apenas no segundo semestre de 2025, com risco de paralisações e demissões em larga escala.
Estudo divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que as tarifas podem reduzir o PIB brasileiro em até 0,2 ponto percentual e colocar em risco mais de 100 mil empregos, sobretudo nas regiões Centro-Oeste e Sul, onde estão concentradas as produções mais impactadas.
No campo político, a medida aprofundou a polarização já presente no debate público. Aliados de Bolsonaro interpretaram as tarifas como uma espécie de chancela externa à tese de que o ex-presidente foi condenado por motivos políticos, e não jurídicos. Por outro lado, juristas, entidades de classe e representantes de instituições independentes afirmam que a medida norte-americana representa uma tentativa inédita e inaceitável de utilizar sanções comerciais como forma de pressionar a jurisdição de um Estado soberano.
A crise foi agravada por outra frente: o governo dos EUA incluiu o ministro do STF Alexandre de Moraes entre os alvos de sanções individuais sob a chamada "Global Magnitsky Act", bloqueando ativos e revogando seu visto norte-americano. O gesto, duramente criticado pelo Supremo e por associações de magistrados brasileiros, foi considerado uma escalada hostil à independência judicial do país e um precedente perigoso para o sistema de cooperação internacional.
O episódio também gerou forte repercussão social. O movimento digital batizado de “vampetaço”, iniciado de forma irônica nas redes sociais com memes e sátiras, rapidamente ganhou corpo e tornou-se uma forma de protesto popular contra a medida americana. A hashtag #SoberaniaNãoSeNegocia figurou entre os assuntos mais comentados do país e teve adesão de personalidades públicas de diferentes espectros políticos.
No cenário internacional, analistas interpretam a atitude de Trump como parte de uma estratégia geopolítica mais ampla, de afirmação de força e imposição de alinhamento ideológico, especialmente em um ano em que os Estados Unidos buscam reposicionar sua política externa de maneira mais assertiva. A aplicação de tarifas com motivação claramente política abre uma nova frente de tensão na governança global e desafia diretamente os princípios fundadores do sistema multilateral de comércio, que se baseiam na previsibilidade, na boa-fé e na separação entre comércio e disputas internas.
O Brasil, diante desse novo quadro, caminha sobre uma linha tênue: precisa proteger seus interesses econômicos e sua relação estratégica com os EUA, mas sem abrir mão de princípios constitucionais e do respeito à sua jurisdição interna. O episódio das tarifas escancara uma lição incômoda, mas urgente: nenhuma democracia está imune a pressões externas — e a resposta a elas exige firmeza, sobriedade e visão de longo prazo.
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