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A Blindagem da Infâmia: A PEC das Prerrogativas e o Último Assalto à Dignidade Nacional

"Quem não deve, não teme" - assim reza o adágio popular, cristalino em sua simplicidade e devastador em sua aplicação ao espetáculo dantesco que se desenrolou na madrugada de 17 de setembro de 2025. Trezentos e quarenta e quatro deputados federais, número que ficará gravado na infâmia da história pátria, votaram pela aprovação da PEC 03/21, apelidada com justeza de "PEC da Blindagem" ou "PEC das Prerrogativas". Se não devem, por que temem? Se são inocentes, por que buscam a impunidade?
A resposta, meus caros concidadãos, está na própria pergunta. Como diria o imortal Rui Barbosa: "A consciência do culpado é o seu primeiro juiz, e o mais severo de todos". E quando 344 consciências se unem para criar um escudo contra a justiça, não estamos diante de uma medida legislativa, mas de uma confissão coletiva de culpa, de um reconhecimento tácito de que há muito a esconder nos corredores do poder.
O Número da Vergonha e a Aritmética da Corrupção
Trezentos e quarenta e quatro. Este não é apenas um número; é a medida exata da degradação moral de uma Casa que deveria ser o templo da representação popular. É a quantificação precisa de quantos representantes do povo escolheram representar apenas a si mesmos, blindando-se contra as consequências de seus atos.
"Corruptio optimi pessima" - a corrupção dos melhores é a pior de todas. E quando aqueles que deveriam ser os guardiões da lei se tornam seus algozes, quando os que juraram defender a Constituição tramam contra ela, assistimos não apenas a um crime, mas a uma traição que fere o próprio coração da democracia.
A PEC aprovada não é uma reforma; é uma revolução às avessas, um retrocesso civilizacional que nos remete aos tempos em que a nobreza estava acima da lei comum. É a criação de uma casta de intocáveis, uma aristocracia parlamentar que paira sobre os demais cidadãos como senhores feudais sobre seus vassalos.
A Anatomia da Impunidade Institucionalizada
A PEC das Prerrogativas, em sua essência perversa, estabelece que investigações, prisões e processos contra congressistas dependam da autorização do próprio Congresso Nacional. É como se os suspeitos de crime fossem seus próprios juízes, numa inversão grotesca do princípio da separação dos poderes.
Mais grave ainda: uma eventual prisão preventiva de parlamentar não passaria mais pela Justiça. Mesmo em caso de prisão em flagrante - quando o crime é flagrante, evidente, incontestável - esta só seria possível para crimes inafiançáveis. E ainda assim, o acusado seria levado ao Congresso, onde o plenário decidiria se a prisão seria mantida.
É a institucionalização do "solve et repete" - pague primeiro, discuta depois - aplicado à justiça criminal. É a transformação do Congresso Nacional numa central de proteção ao crime, onde criminosos de toga e gravata encontram guarida contra as consequências de seus atos.
As Vozes da Consciência e o Clamor dos Justos
Nem todos se curvaram diante da pressão da corrupção organizada. Vozes experientes e respeitadas se levantaram contra essa aberração. O decano da Câmara, deputado Átila Lins (PSD-AM), votou contra a PEC, alertando especialmente para dois pontos cruciais: o retorno da votação secreta nos processos parlamentares - que havia sido abolida no passado justamente para garantir transparência - e a extensão das prerrogativas aos presidentes de partidos políticos.
O deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), com a autoridade de quem conhece os meandros da Casa, foi categórico: "Parlamentar honesto não precisa de lei de prerrogativa ou privilégio para se proteger. Nunca precisei de lei de prerrogativa para o exercício do meu mandato". Palavras que ecoam como um libelo contra a covardia institucionalizada.
Mais contundente ainda foi o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que denunciou a aprovação como um "golpe cotidiano e uma sabotagem do Brasil". Suas palavras são um grito de alerta: "Isso é um escárnio com o povo brasileiro. Não é prerrogativa, é livrar deputado de corrupção, assassinatos, pedofilia, do crime que quiser. Tira o Poder Judiciário da jogada e entra o Congresso pra dizer se vai ser certo e quando vai ser aberto um processo legal. É a certeza da impunidade".
A Retórica da Defesa e a Hipocrisia dos Argumentos
Do outro lado, os defensores da medida recorrem à retórica vazia e aos argumentos hipócritas. O relator Cláudio Cajado (PP-BA), numa defesa que beirava o devocional, negou que a PEC seja um privilégio, sustentando que se trata de "resguardar garantias constitucionais". O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), tentou despolitizar a questão, afirmando que a pauta não é de direita ou esquerda, mas visa "fortalecer as garantias do mandato parlamentar".
"Verba volant, scripta manent" - as palavras voam, os escritos permanecem. E o que permanece, gravado no texto da PEC, é a criação de um sistema de proteção aos criminosos de colarinho branco, um salvo-conduto para a corrupção, um atestado de que o Congresso Nacional se transformou numa organização criminosa institucionalizada.
'Não há retórica que disfarce a injustiça, nem eloquência que embeleze o crime'. Os argumentos jurídicos e constitucionais invocados pelos defensores da PEC são meros sofismas, tentativas desesperadas de dar verniz de legalidade ao que é, na essência, uma legalização da impunidade.
O Contexto Sombrio e a Ironia Trágica
A aprovação da PEC da Blindagem ganha contornos ainda mais sinistros quando contextualizada com os acontecimentos recentes. No mesmo período em que os deputados votavam por sua própria impunidade, o ex-delegado-geral de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, era executado pelo crime organizado numa emboscada covarde.
A ironia é trágica e reveladora: enquanto aqueles que combatem o crime são assassinados nas ruas, aqueles que deveriam combatê-lo por meio das leis se blindam contra qualquer responsabilização. É como se o Estado brasileiro tivesse declarado guerra contra si mesmo, protegendo os criminosos de dentro e abandonando os heróis de fora.
O deputado Pauderney Avelino (União-AM) não hesitou em diagnosticar a realidade: o Brasil vive um "narcoestado", onde as autoridades que combatem o crime estão à mercê de serem executadas, enquanto os parlamentares que deveriam apoiá-las se preocupam apenas em se proteger de investigações.
A Jurisprudência Constitucional e o Desprezo à Lei
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 53, já estabelece as prerrogativas parlamentares necessárias e suficientes para o exercício do mandato. A imunidade material para opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato, e a imunidade formal, que exige autorização da Casa respectiva para o processamento criminal, já garantem a independência parlamentar sem comprometer a igualdade perante a lei.
O Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se manifestou sobre os limites dessas prerrogativas. No julgamento do Inquérito 4.130 (caso das "fake news"), o ministro Alexandre de Moraes foi categórico: "As prerrogativas parlamentares não podem servir de escudo para a prática de crimes". Na Ação Penal 470 (Mensalão), o ministro Joaquim Barbosa reafirmou: "Nenhuma autoridade, por mais elevado que seja o cargo que ocupe, está acima da lei".
A PEC aprovada na Câmara vai na contramão dessa jurisprudência consolidada, criando uma blindagem que transforma parlamentares em uma casta superior, imune às leis que regem os demais cidadãos. É uma afronta direta ao princípio da isonomia, pedra angular do Estado Democrático de Direito.
O Precedente Internacional e a Vergonha Nacional
No cenário internacional, o Brasil se alinha aos regimes autoritários e às democracias degradadas. A criação de imunidades excessivas para parlamentares é característica de países onde a corrupção se institucionalizou e onde o Estado de Direito é apenas uma fachada.
A Transparência Internacional, em seus relatórios sobre corrupção global, sempre apontou a falta de accountability como um dos principais fatores de degradação democrática. A PEC da Blindagem coloca o Brasil no mesmo patamar de países onde a corrupção é sistêmica e a impunidade é a regra.
Um país que não pune seus corruptos não é uma democracia; é uma cleptocracia disfarçada. E é exatamente isso que o Brasil se torna com a aprovação desta PEC: uma cleptocracia onde os ladrões fazem as leis para proteger seus próprios crimes.
O Senado: Última Trincheira da República
Agora, a responsabilidade recai sobre o Senado Federal. Os senadores têm em suas mãos o destino da República. Podem escolher entre ser os coveiros da democracia brasileira ou seus últimos defensores.
A Casa Alta do Congresso tem a oportunidade histórica de se redimir da vergonha da Câmara e barrar essa aberração constitucional. O Senado deve ser a casa da reflexão, da ponderação, da defesa dos interesses superiores da nação.
Que os senadores se lembrem de que a história é uma testemunha implacável, e que seus nomes ficarão gravados para sempre ao lado de sua escolha: ou como defensores da República, ou como cúmplices de sua destruição.
O Clamor das Ruas e a Resistência Democrática
"Vox populi, vox Dei" - a voz do povo é a voz de Deus. E a voz do povo brasileiro deve se fazer ouvir contra essa tentativa de golpe institucional. As ruas que se levantaram contra a corrupção em 2013, que pediram mudanças em 2016, que clamaram por renovação em 2018, devem se erguer novamente para defender a República.
A sociedade civil organizada, as entidades jurídicas, os movimentos democráticos, todos devem se unir numa frente ampla de resistência. Como ensinou o grande tribuno: "O povo que não defende suas instituições não merece tê-las".
A Encruzilhada da História
A aprovação da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados não foi apenas uma derrota legislativa; foi um atentado contra a dignidade nacional, uma traição aos princípios republicanos, um escárnio contra todos os brasileiros honestos que acreditam na justiça e na igualdade perante a lei.
Os 344 deputados que votaram por essa aberração não representam o povo brasileiro; representam apenas seus próprios interesses criminosos. Eles escolheram a impunidade contra a justiça, o privilégio contra a igualdade, a corrupção contra a honestidade.
Mas a luta não acabou. Enquanto houver uma só consciência livre neste país, a tirania não triunfará. E há ainda muitas consciências livres no Brasil, dentro e fora das instituições, dispostas a lutar pela República.
O ditado popular que abre esta reflexão - "quem não deve, não teme" - se revela profético. Os 344 deputados que votaram pela blindagem revelaram, com esse voto, que devem muito e temem ainda mais. Temem a justiça, temem a verdade, temem o povo brasileiro.
Mas nós, o povo, não devemos temer. Devemos lutar. Devemos resistir. Devemos defender nossa República contra aqueles que tentam destruí-la por dentro.
A história nos observa. A posteridade nos julgará. Que possamos dizer, quando chegar nossa hora, que estivemos do lado certo da história, do lado da justiça, do lado da República.
Por Ralph Lichotti - Advogado e Jornalista, Editor do Ultima Hora Online e Jornal da República, Foi Sócio Diretor do Jornal O Fluminense e acionista majoritário do Tribuna da Imprensa, Secretário Geral da Associação Nacional, Internacional de Imprensa - ANI, Ex- Secretário Municipal de Receita de Itaperuna-RJ, Ex-Presidente da Comissão de Sindicância e Conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa - ABI - MTb 31.335/RJ
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