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Por Renzo Pestana Barroso
Advogado tributarista e jornalista
OAB/RJ 243.441
O governo federal anunciou, há poucos meses, uma série de medidas de cunho tributário com o objetivo declarado de aliviar pressões econômicas crescentes e atender a demandas populares legítimas por justiça fiscal. Entre elas, a redução de alíquotas do imposto de importação sobre alimentos e o envio ao Senado do Projeto de Lei nº 1.087/2025, que propõe uma reestruturação do Imposto de Renda da pessoa física, com isenção para rendimentos mensais de até R$ 5.000 e instituição de tributação sobre dividendos pagos a quem aufere mais de R$ 50.000 mensais. Tais iniciativas, em um primeiro olhar, representam gestos simbólicos de sensibilidade social e preocupação redistributiva. No entanto, sua eficácia prática e os reais efeitos sobre a economia merecem uma análise mais profunda e isenta de paixões retóricas.
Tomemos como exemplo a redução do imposto de importação sobre carnes desossadas, azeite, café, óleo de girassol, entre outros itens. A medida busca conter o avanço da inflação de alimentos, que em 2024 atingiu patamar superior a 7,6%, contrastando com a inflação geral, registrada em torno de 4,8%. O impacto do aumento dos preços alimentares sobre o orçamento das famílias é indiscutivelmente grave, sobretudo nas faixas de renda mais baixas, que comprometem parte significativa de sua renda com o consumo básico. Ainda assim, é preciso reconhecer que o peso do imposto de importação na composição final dos preços desses itens é bastante limitado. A precificação dos alimentos é majoritariamente determinada por fatores externos à política tributária, como a valorização cambial, os custos de frete e armazenagem, os efeitos climáticos sobre as safras nacionais e, especialmente, a escolha de produtores em priorizar a exportação diante da rentabilidade do mercado externo.
Além disso, a estrutura tributária brasileira já contempla diversos mecanismos de desoneração da cadeia alimentar. Muitos alimentos não são alcançados pelo IPI. O ICMS, nos estados, incide com alíquotas reduzidas ou é diferido até a etapa final de comercialização, dada a essencialidade do bem. No campo federal, PIS e Cofins, em inúmeros casos, estão suspensos ou isentos, e os produtores ainda podem se beneficiar de créditos presumidos para compensação de outros tributos. Em outras palavras, alimentos no Brasil já são, via de regra, produtos tributariamente favorecidos. Assim, a redução do imposto de importação, embora politicamente bem recebida, parece ser medida mais simbólica do que efetiva para alterar, de forma real e imediata, os preços ao consumidor.
No mesmo sentido, a proposta de reforma do Imposto de Renda das pessoas físicas, embora guiada pelo princípio da justiça fiscal, levanta questionamentos sobre seus efeitos concretos na economia e seu real alcance redistributivo. A ampliação da faixa de isenção para rendimentos de até R$ 5.000 mensais beneficiaria cerca de 79% da população, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. Em contrapartida, pretende-se instituir a tributação sobre dividendos recebidos por pessoas com rendas superiores a R$ 50.000 mensais, encerrando um ciclo de isenção vigente desde 1996. É indiscutível que o sistema tributário brasileiro possui traços de regressividade que penalizam o consumo e poupam certas formas de capital. Mas também é fato que a atual isenção sobre dividendos serve, em muitos casos, como o único incentivo à formalização e ao risco produtivo diante de um ambiente jurídico instável, um sistema trabalhista oneroso e uma economia sujeita a frequentes mudanças de orientação normativa.
Tributar dividendos sem promover, simultaneamente, uma reforma profunda da carga sobre a folha de pagamentos, da insegurança jurídica e da burocracia fiscal pode desestimular o investimento produtivo e provocar retração econômica. Mais do que isso: os efeitos positivos da isenção anunciada somente serão percebidos a partir de 2026, enquanto o impacto político da proposta já foi capitalizado pelo Executivo em 2025. O projeto não resolve imediatamente os desafios econômicos das famílias, mas cumpre, com habilidade, sua função comunicacional: gera manchetes, desloca o debate público e transmite a sensação de ação governamental concreta. A inflação de alimentos — tema que até então dominava o noticiário — cede espaço à discussão sobre redistribuição de renda e justiça fiscal, mesmo que, no dia a dia, o consumidor continue enfrentando os mesmos preços no supermercado.
É nesse cenário que se revela o traço mais evidente do chamado populismo tributário: a criação de medidas fiscais com forte apelo retórico, porém baixa efetividade prática, que servem, antes de resolver os problemas reais, para deslocar o foco da opinião pública. A função política dessas ações não deve ser ignorada. Ainda que bem-intencionadas, muitas vezes são usadas como instrumentos de comunicação e contenção simbólica de crises, sem que representem solução de natureza estrutural. De fato, enfrentar a inflação, promover equidade fiscal e estimular o crescimento exige muito mais do que anúncios. Exige coragem para simplificar tributos, reduzir encargos sobre o trabalho, tornar o sistema mais transparente e previsível, revisar o gasto público e garantir segurança jurídica ao investimento produtivo.
Enquanto essas reformas profundas não são enfrentadas, seguiremos assistindo a medidas paliativas travestidas de transformações estruturais. A carga tributária, usada como ferramenta de visibilidade política, perde seu potencial de indução racional da economia e passa a ser parte do espetáculo. O contribuinte, por sua vez, segue aguardando, na fila do mercado, que o discurso vire prática e que as promessas de alívio cheguem, de fato, à sua mesa.
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