Condenação de Bolsonaro: impactos financeiros prováveis — câmbio, Bolsa e comércio exterior sob a sombra de tarifas politizadas

Condenação de Bolsonaro: impactos financeiros prováveis — câmbio, Bolsa e comércio exterior sob a sombra de tarifas politizadas

Análise de Renzo Barroso, advogado tributarista (OAB/RJ 243.441)

 

Se o Supremo Tribunal Federal condenar Jair Bolsonaro, o efeito não ficará restrito às páginas do noticiário jurídico. A decisão tende a atravessar a fronteira e encontrar um ambiente externo já tensionado por tarifas e sanções adotadas por Washington, alimentando volatilidade no câmbio, reprecificação de ativos na B3 e incerteza nas cadeias de comércio que dependem do mercado americano. Desde julho, a Casa Branca impôs uma sobretaxa de 50% sobre a maior parte das exportações brasileiras — medida contestada judicialmente nos EUA e alvo de um mosaico de exceções setoriais — e sancionou o ministro Alexandre de Moraes sob o regime Global Magnitsky. Esse contexto, por si, já elevou o prêmio de risco; uma condenação de alto impacto político adiciona ruído ao cenário e tende a ser precificada imediatamente pelo mercado.

No curto prazo, o canal mais sensível é o câmbio. A experiência recente mostrou que cada rodada de tarifas politizadas provocou movimentos abruptos do real e encareceu importados estratégicos — de combustíveis a fármacos — enquanto empresas adiaram decisões de investimento. A legalidade de parte dessas tarifas foi, inclusive, questionada por uma Corte de Apelações nos EUA, decisão que abriu um flanco de incerteza adicional: enquanto o tema sobe ao Supremo americano, os agentes ajustam posições diante do risco de idas e vindas regulatórias. Para o investidor brasileiro, isso significa volatilidade mais alta e prêmio de risco pressionado nos vértices longos da curva.

Na Bolsa, o efeito não é unidirecional. O anúncio das sobretaxas trouxe queda inicial, mas a posterior divulgação de centenas de isenções amorteceram a pancada e deram fôlego a uma alta seletiva, puxada por segmentos poupados do golpe mais duro. Avião, energia e parte relevante de mineração ficaram fora da lâmina de 50%, o que ajudou empresas desses ramos a reagirem e sustentarem a B3 nas últimas sessões. O caso da Embraer é ilustrativo: ao ser poupada da camada extra de tarifa — permanecendo sujeito apenas ao gravame de 10% instituído em abril —, a companhia reafirmou projeções e reportou impacto limitado no trimestre, sinalizando que, salvo escalada adicional, o dano imediato é administrável. Em paralelo, o alívio nas exportações de petróleo (com embarques retomando após a confirmação da exceção) e a proteção de metais e insumos criaram um colchão parcial para papéis ligados a commodities. Essa recomposição setorial explica a alta recente do índice, ainda que com dispersão relevante entre vencedores e perdedores.

Essa dinâmica, contudo, não elimina o risco de segunda ordem caso o embate político se intensifique. O Escritório do Representante de Comércio (USTR) abriu uma investigação da Seção 301 especificamente contra o Brasil — com audiência pública marcada para 3 de setembro —, ampliando a margem para novas medidas no comércio digital, propriedade intelectual, etanol e desmatamento. Em paralelo, o governo brasileiro sinalizou preferência por negociação e montou um pacote de alívio doméstico para setores atingidos, evitando, por ora, uma retaliação espelhada que reavivaria pressões inflacionárias. A combinação de “tarifas politizadas” e “portas institucionais abertas” mantém a B3 num jogo de empurra: notícias pró-exceções e prospecção de acordos favorecem rotação para setores poupados; ameaças adicionais ou manchetes negativas sobre o julgamento tendem a acender a luz amarela em bancos, varejo e construção — setores mais sensíveis a juros e renda.

No plano jurídico-financeiro, vale um esclarecimento técnico que interessa ao investidor. As sanções Magnitsky atingem pessoas e ativos onde houver jurisdição americana; não “mandam” no Brasil, mas fecham o acesso ao tubo do dólar. Por isso, bancos domésticos reforçam compliance em operações com nexo em USD — remessas, cartões internacionais, custódia no exterior — e mantêm a vida em reais funcionando sob a lei brasileira. A designação de Moraes, formalizada em 30 de julho, gerou esse aperto prudencial, mas não paralisou o sistema local. Para a Bolsa, o recado é simples: o risco de headline vem de fora; a precificação de fluxo e lucro depende, sobretudo, do ciclo doméstico e da capacidade de cada empresa de contornar gargalos de comércio externo.

Há, ainda, a controvérsia sobre o caráter político das medidas americanas. Organizações como a Human Rights First criticaram o uso da Magnitsky no caso brasileiro, apontando instrumentalização do regime sancionatório. Do ponto de vista econômico, editoriais e análises têm destacado que tarifas concebidas sob essa lógica tendem a produzir ruído de curto prazo maior do que ganho estrutural, especialmente quando o parceiro alvo é fornecedor relevante e comprador de alto valor agregado — como é o Brasil no relacionamento bilateral. O dado comercial de 2024 ajuda a contextualizar: os EUA tiveram superávit de US$ 6,8 bilhões no comércio de bens com o Brasil; em termos simples, há interesse mútuo em despressurizar. Esse colchão de interdependência explica por que, mesmo após bravatas, exceções foram concedidas e por que o governo brasileiro tem evitado retaliação imediata.

Qual é, então, o mapa-síntese para o investidor e para quem acompanha a economia real? Em caso de condenação, espere volatilidade no câmbio e rotação setorial na B3, com algum alívio relativo em companhias dos ramos isentos (aviação, energia, parte de mineração e insumos industriais) e pressão adicional onde a tarifa efetiva bateu (alimentos processados, proteína animal, têxteis, calçados). A pauta da Seção 301 e o contencioso sobre a legalidade das tarifas nos tribunais americanos acrescentam incerteza de calendário, mas também porta de saída para um “reset tarifário” nos próximos meses — variável que, se confirmada, tende a reduzir o tail risk e sustentar múltiplos na Bolsa. Enquanto isso, o governo sinaliza contenção e apoio pontual a exportadores, estratégia que, embora não resolva a geopolítica, amortece o impacto na atividade e no emprego. Em suma: o choque é político, a transmissão é financeira, e a defesa é técnica — gestão de risco, diversificação de mercados e disciplina regulatória.

Fontes consultadas e citadas nesta análise: Departamento do Tesouro/OFAC (sanção sob o regime Global Magnitsky) e atualização da SDN List; Reuters (tarifa de 50% e lista de exceções por setor; retomada de embarques de petróleo; leitura setorial de impacto e reações do governo; comunicação corporativa da Embraer); Financial Times (elevação a 50% e enquadramento político); USTR (Seção 301 e audiência pública de 3/9); Human Rights First (crítica ao uso politizado da Magnitsky); decisões judiciais e cobertura especializada sobre a incerteza legal das tarifas

Por Jornal da República em 04/09/2025
Aguarde..