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O futebol, paixão nacional, até outro dia desses era por mim tratado como assunto alheio à ordem do dia. Um filho, para completa surpresa minha, ingressou na vida de atleta de base de um clube da Série A e, em virtude disso, para me manter a par dos assuntos de interesse do primogênito, passei a dividir meu tempo, outrora dedicado à Gestão e à Medicina, com o esporte trazido ao Brasil por Charles Miller.
E no futebol o tema do momento é a má fase da seleção canarinha e a crise de identidade no “novo” jogador brasileiro. Os expertos no tema dizem que copiamos os europeus e perdemos nossa essência; que não temos mais campos de terra e que o sintético nos tira a criatividade; que nossos treinadores não estudam o esporte e dirigem as equipes de orelhada; que o menino bom de bola, mas franzino, perde a vaga na peneira para o perna-de-pau fisicamente avantajado; que nossos talentos vão embora para o exterior cada vez mais cedo e que ganham muito dinheiro; que não há, em suma, planejamento no esporte.
Pelo o que escuto das resenhas do assunto, o futebol de hoje é esporte diverso daquele que veio da terra da Rainha: houve a revolução tática holandesa, o tiki-taka catalão,a ciência da motricidade humana lusitana, para citar algumas inovações estrangeiras, além
da vanguarda zagalliana e a de Minelli, no plano tupiniquim...
E, ao que parece, à despeito de termos vários destaques mundo afora, o menino Ney é o último exemplar de um espécime que nos deu Romário, Rivaldo, Kaká e Ronaldos Fenômeno e Gaúcho, para ficarmos nos Bola de Ouro.
O inconsciente coletivo nacional deseja que tenhamos ou novos “Messis”, ou novos “Cristianos Ronaldo”. Ou gênios, ou super homens! Mas não se deseja um exemplar de cada, mas uma produção em série destes dois “outliers”, no jargão Academy.
E que eles surjam logo, para que possamos pegar nosso sexto caneco e retornarmos ao longínquo orgulho da nossa seleção, como tínhamos da de 1994 e da de 2002 (o curioso é que a seleção “mix” destas duas super campeãs, a de 1998, é tratada como uma fracassada total, apesar de um vice campeonato mundial).
Como pai de “atleta” minha sincera preocupação é que a base auxilie, de algum modo, ao meu filho a se desenvolver em seu pleno potencial bio-psíquico-sócio-cultural e que, para além de ser um projeto de jogador, seja, no futuro, a realização total de um ser humano integral, na acepção de Edgar Morin do termo.
Em que pese as evoluções táticas sejam uma realidade nesse esporte, que é o mais popular do planeta, a verdadeira revolução, ocorrida na Inglaterra, se deu pela histórica conquista dos plebeus do time do Blackburn de uma Copa Inglesa, derrotando o até então imbatível time aristocrático, considerado “os donos do jogo”.
No Brasil, revolução similar pode ser considerada a da Ponte Preta, que incorporou pela 1ª vez negros em seu time. Isso nos mostra que “gente” importa mais do que a “partida”.
Desejamos forjar campeões? Ensinemos, então, aos nossos meninos da base sobre a
História das grandes batalhas humanas; almejamos por atletas fisicamente mais preparados? Que eles tenham então boas lições de Biologia e de Química para que possam compreender o porquê de uma boa alimentação e da necessidade do recovery pós treino;
queremos que eles sejam mais comprometidos com o grupo e mais profissionais? Que aprendam na Geografia como os diferentes povos se organizam e como o comércio mútuo é benéfico para a sociedade; precisamos que eles assimilem os diversos esquemas táticos e
suas variações no intra jogo?
Nada melhor para isso do que eles dominarem a Matemática, com suas subdivisões como a Aritmética e a Trigonometria; buscamos pelo atleta cujo mental é forte e a resiliência é um ponto de valência? Trabalhemos, pois, em nossas crianças, os aspectos centrais das diversas religiões populares em nosso país e teremos não apenas estóicos, mas anti frágeis!
Se o filósofo português Manuel Sergio está certo (e me parece que sim) no futebol não há jogos; há pessoas que jogam. E se de fato quisermos que o Brasil tenha melhores jogadores, precisamos que eles também se tornem melhores pessoas.
Não serão os estádios, as táticas, os fisiologistas e os “scouts” que nos darão o que todos queremos do nosso futebol.
Serão os livros, a pintura, a música, a história, o domínio do idioma, a inserção na nossa tradição e cultura, a plena cidadania, em síntese. É nisso que devemos focar antes de querermos formar o jogador hexacampeão de amanhã. Afinal, “quem só entende de futebol, nem de futebol entende...”
*Marcus Vinicius Dias é médico, gestor e pai de jogador
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