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No combate ao câncer, a régua do sucesso passa pela antecipação. Detectar o tumor antes de ele avançar costuma significar tratamentos menos agressivos e maior chance de cura. É nessa fronteira que despontam os chamados testes de detecção precoce de múltiplos cânceres (MCED, na sigla em inglês), que analisam no sangue sinais como DNA tumoral circulante (ctDNA) e padrões epigenéticos para acusar a presença de diferentes tumores — e, em alguns casos, indicar o provável órgão de origem.
Nos últimos dois anos, os resultados mais chamativos vieram do estudo PATHFINDER 2, que avaliou o teste Galleri (Grail) em mais de 23 mil pessoas com 50 anos ou mais. De acordo com dados apresentados em 2025, o exame aumentou em sete vezes a quantidade de cânceres detectados quando somado às triagens recomendadas; mais da metade foi flagrada em fases potencialmente curáveis. O valor preditivo positivo ficou em cerca de 61,6% — acima do observado no estudo anterior. Apesar do entusiasmo, os dados ainda não passaram por revisão por pares.
Do lado regulatório e de política pública, a mensagem é de prudência. No Reino Unido, o NHS conduz o NHS-Galleri, primeiro ensaio randomizado e duplo-cego de grande escala com MCED. Em maio de 2024, a instituição informou que aguardará os resultados finais — esperados para 2026 — antes de decidir por uma eventual adoção nacional. O desfecho principal é a redução de diagnósticos em estágio avançado, um passo prévio importante à meta última: reduzir mortalidade por câncer.
Especialistas ouvidos em revisões acadêmicas recentes reforçam as duas faces dessa moeda: por um lado, a biópsia líquida é um avanço notável, com aplicações crescentes da detecção precoce ao monitoramento de doença residual mínima; por outro, sensibilidade e custo-efetividade variam entre tipos de tumor e estágios, o que impõe cautela na ideia de ‘um exame para todos, uma vez ao ano’.
E a alegação de que ‘a Suécia já começou uma triagem nacional anual com um teste chamado PanCED, detectando mais de 50 cânceres com 92% de acurácia’? Até aqui, não há publicações indexadas que confirmem esse programa. O que existe é uma atividade intensa de pesquisa no país — coortes como a STEADY-CAN e novos financiamentos para detecção precoce —, mas não um rollout nacional de MCED validado e operacionalizado para toda a população acima de 50 anos. As postagens virais sobre ‘PanCED’ partem de redes sociais e não trazem artigos revisados por pares que sustentem os números divulgados.
Na prática, o que isso significa para o leitor hoje? Primeiro, que a tecnologia é real e avança rápido, com sinais de benefício clínico — sobretudo naquilo que os programas clássicos não alcançam (pâncreas, fígado, ovário, entre outros). Segundo, que a incorporação em larga escala depende de respostas que ainda estão por vir: impacto em desfechos duros (estágio avançado e mortalidade), rotas diagnósticas seguras para positivos, custo-benefício no SUS e nos sistemas privados e, principalmente, equidade de acesso.
Enquanto o futuro se define, as recomendações de rotina continuam valendo: rastreamentos já comprovados (como mamografia, colonoscopia/fit, HPV, tomografia de baixa dose em elegíveis) seguem sendo as ferramentas com evidência robusta para reduzir mortes por câncer. Se e quando um MCED passar pelo crivo dos ensaios e das agências, poderá somar — não substituir — esses programas.
‘A ciência acelera — e a saúde pública pisa no freio quando precisa. É esse equilíbrio que transforma promessas em vidas salvas.’
Por Jéssica Porto
Fontes: NHS-Galleri Trial (Reino Unido)
PATHFINDER 2 – GRAIL / ESMO Congress
Annual Review of Medicine
Nature Reviews Clinical Oncology
PubMed Central (PMC)
The Lancet Oncology
MDPI – Cancers Journal
arXiv.org
ResearchGate
Xia & He Publishing – Journal of Exploratory Research in Pharmacology
Karolinska Institute (Suécia)
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