Histórico de Venda de Sentenças e 18 Anos Afastado: O Retorno à Magistratura Que Termina em Prisão Preventiva por Vazamento de Informações ao Crime Organizado

Sentença Suspensa: Desembargador Macário Judice, Absolvido no Passado, É Preso Novamente pela PF

 Histórico de Venda de Sentenças e 18 Anos Afastado: O Retorno à Magistratura Que Termina em Prisão Preventiva por Vazamento de Informações ao Crime Organizado

A Justiça brasileira testemunha, nesta terça-feira (16), um episódio que lança luz sobre a fragilidade do controle administrativo do Judiciário: o Desembargador Federal Macário Judice Neto, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), foi preso preventivamente pela Polícia Federal (PF) na segunda fase da Operação Unha e Carne. O magistrado, que passou quase 18 anos afastado sob acusações de corrupção, é agora suspeito de vazar informações sigilosas ao crime organizado, especificamente em um processo que ele mesmo era o relator, envolvendo o ex-deputado TH Joias.

O caso não é apenas uma nova prisão. É o retorno trágico de um fantasma do passado que o sistema de Justiça tentou exorcizar, mas acabou por reabilitar.

O Passado que a Justiça Tentou Apagar: De Juiz Federal a Réu na Operação Anaconda
A primeira mancha na carreira de Macário Judice remonta à época em que atuava como Juiz Federal em Vitória, Espírito Santo.

Em 2004, ele foi um dos principais alvos da Operação Anaconda, uma investigação que desvendou um esquema de venda de sentenças no Judiciário Federal. As acusações eram graves: corrupção passiva e formação de quadrilha, com suspeitas de favorecimento a organizações criminosas ligadas a jogos de azar e caça-níqueis.

A consequência foi imediata: Macário Judice foi preso e afastado de suas funções, iniciando um calvário judicial e administrativo que se estendeu por quase duas décadas.

As Brechas Que Permitiram o Retorno: STJ e CNJ Sob Crítica
O retorno de Macário Judice à magistratura em 2023, após quase 18 anos fora, foi um movimento calculado e permitido pelas decisões dos órgãos de cúpula da Justiça, ignorando o clamor da opinião pública e os indícios que motivaram o afastamento.

A Absolvição Criminal (STJ): Em 2011, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu Macário Judice das acusações criminais de corrupção e formação de quadrilha. A absolvição não veio por prova de inocência, mas sim pelo princípio do "in dubio pro reo" (na dúvida, a favor do réu), com o entendimento de que as interceptações telefônicas e demais provas obtidas pela PF não alcançavam o grau de certeza necessário para uma condenação penal. A absolvição criminal abriu a porta para o pleito administrativo.

O Perdão Administrativo (CNJ): Na esfera administrativa, o Judiciário deu o golpe final na tentativa de punição. O TRF-2 chegou a decretar sua aposentadoria compulsória, a pena máxima. No entanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) interveio. Em 2022, o Plenário do CNJ anulou a penalidade e reconheceu a prescrição da pretensão punitiva no Processo Administrativo Disciplinar (PAD). O argumento central foi que o prazo para análise do PAD, iniciado em 2005, havia se extrapolado, ferindo o direito do magistrado ao julgamento em tempo razoável.

"A decisão do CNJ e do STJ não foi um atestado de conduta ilibada, mas uma falha processual. O sistema escolheu o formalismo da prescrição e da 'dúvida razoável' para reabilitar um juiz com um histórico gravíssimo, jogando um risco conhecido de volta à sociedade. Hoje, esse risco se concretizou em prisão."

Após ser reintegrado, Macário Judice foi promovido ao cargo de Desembargador Federal em junho de 2023, pelo critério de antiguidade, ocupando uma das vagas criadas pela ampliação do TRF-2.

O Absurdo dos Salários: A Imunidade Financeira da Suspeita
Durante os quase 18 anos em que Macário Judice esteve afastado de suas funções em razão de inquéritos e processos, ele continuou recebendo seus vencimentos.

Esta é uma das faces mais revoltantes da falha sistêmica. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) garante o pagamento integral dos vencimentos ao magistrado afastado por decisão administrativa ou judicial não transitada em julgado. O objetivo é proteger o juiz inocente de perseguições, mas, na prática, se transforma em imunidade financeira para o suspeito.

Mesmo sob a sombra de acusações de venda de sentenças e formação de quadrilha, o magistrado foi sustentado pelo erário público por quase duas décadas, para agora ser preso novamente sob a suspeita de colaborar com o crime organizado.

A Nova Prisão: Vazamento de Dados ao Comando Vermelho
A Operação Unha e Carne 2, que prendeu o desembargador hoje por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), investiga o vazamento de informações sigilosas relacionadas à Operação Zargun, que levou à prisão do ex-deputado estadual TH Joias, acusado de ligação com o Comando Vermelho.

O aspecto mais chocante da nova acusação é que Macário Judice era o relator do processo de TH Joias no TRF-2. Ele foi preso preventivamente por suspeita de usar seu cargo para vazar dados cruciais da investigação, obstruindo a Justiça e, potencialmente, favorecendo a facção criminosa.

O retorno do magistrado ao cargo, possibilitado pela benevolência processual do STJ e CNJ, não apenas permitiu que ele voltasse a exercer poder, mas, segundo as investigações, forneceu-lhe uma nova e poderosa plataforma para a prática de crimes ainda mais graves, com impacto direto na segurança pública do Rio de Janeiro.

O caso Macário Judice é um duro questionamento à capacidade dos órgãos de controle em depurar a própria magistratura, provando que o formalismo da lei, quando aplicado com inércia, pode reabilitar o potencial criminoso, colocando em xeque a credibilidade de todo o sistema judicial.

Por Jornal da República em 16/12/2025
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