IOF e o Supremo: quando a exceção vira regra e a legalidade tributária se curva ao arbítrio

IOF e o Supremo: quando a exceção vira regra e a legalidade tributária se curva ao arbítrio


Por Renzo Pestana Barroso
Advogado e jornalista

A recente decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que restabeleceu quase integralmente o decreto presidencial de majoração do IOF, com exceção apenas à cobrança sobre a operação conhecida como “risco sacado”, acende um alerta urgente sobre o funcionamento dos Poderes da República e os rumos da política tributária nacional. O que se viu não foi apenas o restabelecimento de uma carga fiscal questionável, mas a consolidação de uma prática que desconsidera o papel do Congresso Nacional como casa da representação democrática e transforma o STF em agente revisor — ou pior, anulador — de decisões legislativas legítimas.

O Congresso, ao sustar o decreto que elevava as alíquotas do IOF, o fez dentro dos marcos constitucionais, amparado no artigo 49, inciso V, da Constituição, diante da flagrante ausência de motivação extrafiscal para a medida governamental. O IOF, como se sabe, é um imposto com finalidade regulatória: sua modulação pelo Executivo é permitida justamente por ter o propósito de intervir em política monetária, cambial e de crédito. Quando essa prerrogativa é utilizada como atalho para aumentar arrecadação e financiar desequilíbrios fiscais, ela deixa de ser instrumento técnico e se converte em manobra arrecadatória inconstitucional. O STF, no entanto, ao revalidar a medida presidencial e ignorar a ausência de fundamentação técnica legítima, normaliza o desvio de finalidade do tributo e promove uma preocupante erosão do princípio da legalidade tributária.

Mas os efeitos dessa decisão não são apenas institucionais ou teóricos. O impacto prático recai diretamente sobre o setor produtivo, sobre as empresas que operam com capital de giro, sobre o comércio exterior e, inevitavelmente, sobre o consumidor final. Com o restabelecimento das alíquotas mais elevadas, todas as operações de crédito, câmbio, seguro e valores mobiliários ficam mais caras. Empresas que operam com margens apertadas e alta dependência de financiamento — como o setor de comércio, agronegócio e indústria de transformação — terão seus custos ampliados e, diante da impossibilidade de absorver o aumento sozinhas, repassarão esse ônus à cadeia produtiva, o que, no fim do processo, se traduz em elevação dos preços ao consumidor.

Mais grave ainda é o efeito sobre as empresas multinacionais que operam no Brasil e realizam remessas de lucros para o exterior. A majoração do IOF encarece essas operações, representando, na prática, um tributo adicional sobre o lucro legítimo, já tributado na origem. Esse tipo de medida gera desestímulo ao investimento estrangeiro, reduz a atratividade do Brasil como ambiente de negócios e impõe um custo adicional que, como qualquer outro, será compensado com aumento de preços, diminuição de margens operacionais ou mesmo transferência de operações para países com regimes mais estáveis e previsíveis. Em última análise, esse tributo alcança o consumidor brasileiro que, ao adquirir um produto importado, ou mesmo um produto nacional fabricado com insumos importados, acaba pagando mais — não por razões de mercado, mas por uma escolha fiscal que sequer passou pelo crivo do parlamento.

A decisão do ministro Moraes também impõe insegurança jurídica adicional ao permitir a cobrança retroativa do tributo desde 11 de junho. Em um país onde o sistema tributário já é complexo, casuísta e marcado por instabilidade normativa, essa retroatividade judicial agrava o ambiente de negócios, dificulta o planejamento financeiro das empresas e compromete a confiança nas instituições. Operações realizadas sob a legítima expectativa de que não estavam sujeitas ao tributo serão agora atingidas por uma exigência retroativa, gerando passivos imprevisíveis e alimentando disputas fiscais e judiciais que poderiam ser evitadas.

Ao desconsiderar o exercício regular e legítimo do poder legislativo, o STF transforma a exceção tributária — o IOF como instrumento de política econômica — em regra de arrecadação emergencial. Abre-se espaço para que qualquer necessidade fiscal momentânea seja atendida por decreto presidencial, com respaldo do Judiciário, ignorando o pacto federativo, a exigência de finalidade legal e a separação de Poderes. A função do Supremo não é legislar, tampouco substituir o crivo técnico do Congresso por interpretações oportunistas. Seu papel é limitar os excessos, proteger a Constituição e resguardar o contribuinte da voracidade estatal disfarçada de regulação.

Neste episódio, ao invés de zelar pela ordem constitucional, o STF legitimou uma prática fiscal de contornos autoritários, abalando a previsibilidade normativa, enfraquecendo o papel do Legislativo e onerando injustamente o setor produtivo e o cidadão comum. Tributar no Brasil, infelizmente, tem sido mais um ato de força do que de justiça. A decisão sobre o IOF não é apenas um precedente perigoso — é uma sinalização clara de que, quando os Poderes se desvirtuam, quem paga a conta é, invariavelmente, o contribuinte.

Por Jornal da República em 18/07/2025
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