IVA brasileiro em marcha: o que muda com IBS, CBS e Imposto Seletivo — simplicidade, créditos e a conta que pode subir

IVA brasileiro em marcha: o que muda com IBS, CBS e Imposto Seletivo — simplicidade, créditos e a conta que pode subir

Por Renzo Barroso, advogado e colunista (OAB/RJ 243.441)
 

O Brasil iniciou a virada histórica do seu sistema de tributos sobre consumo. A Emenda Constitucional 132 e a legislação complementar instituíram um IVA de modelo dual: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), federal, e o IBS(Imposto sobre Bens e Serviços), compartilhado por estados e municípios, além de um Imposto Seletivo para desestimular produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Na prática, PIS/Cofins, ICMS e ISS caminham para a substituição gradual; o IPI é praticamente zerado, preservado para proteger a Zona Franca de Manaus. O cronograma prevê fase de testes em 2026 (CBS a 0,9% e IBS a 0,1% com compensações nos tributos atuais), CBS plena em 2027, e transição do IBS até 2033, quando ICMS e ISS serão definitivamente extintos.  
A promessa central é simplicidade: menos siglas, uma base ampla e não cumulativa, com crédito em cada etapa e cobrança “por fora”, aumentando transparência de preço. O fato gerador passa a ser toda operação onerosa com bens ou serviços, qualquer que seja o negócio jurídico. A lei complementar organizou as formas de pagamento, inclusive compensação de créditos, split payment na liquidação financeira, hipóteses de responsabilidade do adquirente e regras de substituição. É um desenho mais alinhado ao padrão internacional de IVA, com crédito financeiro amplo e previsibilidade de apuração.  
Essa simplificação, contudo, vem com efeitos distributivos. Ao ampliar a base e reduzir regimes especiais, a alíquota-padrão estimada para manter a arrecadação tende a ficar próxima de 27%–28% (soma de CBS e IBS). Para setores que hoje dependem de benefícios pontuais, a carga pode subir; para cadeias longas e cumulativas, a não cumulatividade plena tende a reduzir distorções e litígios. O Senado registrou a estimativa oficial e o objetivo de, com eficiência e base larga, buscar alíquota efetiva menor ao longo da transição.  
No crédito e débito, a lógica do novo sistema é direta: o contribuinte debita IBS/CBS sobre suas saídas e credite o imposto pago nas entradas, em regra independentemente de o insumo se incorporar fisicamente ao produto (crédito financeiro). O PLP regulamentador detalha a apropriação, a compensação entre períodos, a possibilidade de split payment e hipóteses específicas (como operações financeiras e energia), além de tratar de condições de creditamentohoje ausentes ou litigiosas na jurisprudência do consumo. Há debate técnico sobre a vinculação do crédito ao efetivo recolhimento pelo fornecedor, ponto sensível que a regulamentação enfrentou para reduzir fraudes sem recriar cumulatividade.  
Quanto aos benefícios, a reforma trocou a “colcha de retalhos” por tratamentos uniformes e explícitos: existe a alíquota zero para a Cesta Básica Nacional de Alimentos (itens essenciais como arroz, feijão, carnes, leite, pães, frutas, legumes, entre outros) e alíquotas reduzidas para saúde, educação, transporte coletivo e insumos sociais, conforme parâmetros da lei. A comunicação pública federal e o Senado consolidaram as listas e a lógica: aliviar o consumo essencial e serviços de forte sensibilidade social, mantendo o IVA simples no restante. Além disso, há previsão de cashback de IBS/CBS para famílias de baixa renda, a ser operacionalizado por regulamentação infralegal, e créditos presumidos setoriais (por exemplo, reciclagem) com percentuais progressivos ao longo da transição.
O Imposto Seletivo atua como “freio” comportamental: incide sobre produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, definido em lei, sem efeito de crédito (para que a tributação cumpra a função de desestímulo). A Receita Federal explica que ele conviverá com o IVA dual e substituirá a atual função extrafiscal do IPI.  
Há, também, regimes específicos. Setores como serviços financeiros terão tratamento próprio de base e alíquota, compatível com a natureza de intermediação, para não distorcer a concorrência nem romper o princípio de neutralidade. O Simples Nacional é preservado, com ajustes para a convivência com o crédito do adquirente. Obras públicas e construção civil ganharam parâmetros de equalização e reequilíbrio contratuais durante a transição. Esses desenhos são cruciais para evitar que a simplificação provoque descasamentos operacionais.  
O risco de aumento de carga não decorre do IVA por si, mas da combinação de base ampla, redução de benefícios dispersos e necessidade de arrecadação neutra no agregado. A experiência internacional mostra que IVAs estáveis usam alíquota padrão mais alta e poucos tratamentos favorecidos, exatamente para baixar o litígio e encurtar o custo de conformidade. No Brasil, a transição foi desenhada para medir efeitos em 2026, ajustar parâmetros e só então escalar a CBS (2027) e, gradualmente, o IBS (até 2033). A alíquota-padrão sairá da conta real de gastos e renúncias, e não do desejo de qualquer setor.  
Em síntese, o país troca cinco tributos problemáticos por um IVA dual transparente, não cumulativo e com crédito amplo, com cesta básica a zero, alíquotas reduzidas para serviços essenciais, seletivo para desincentivar danos à saúde e ao meio ambiente, e um roteiro plurianual de migração. É uma mudança que simplifica e traz racionalidade, mas que pode elevar a carga em segmentos antes favorecidos por exceções, enquanto reduz distorções nas cadeias longas. A recomendação prática para empresas é mapear créditos, revisar contratos e sistemas para split payment e acompanhar a regulamentação do cashback e de regimes setoriais. Para o contribuinte, a regra geral será mais clara no preço e menos litigiosa no dia a dia — exatamente o que se espera de um IVA moderno.

 

Por Jornal da República em 04/11/2025
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