Assine nossa newsletter e fique por dentro de tudo que rola na sua região.
Por Renzo Pestana Barroso, advogado – OAB/RJ 243.441
Especialista em Direito Tributário e Empresarial
@renzobarroso
Nos últimos dias, o cenário tributário brasileiro foi impactado por uma decisão presidencial que, embora revestida de discrição, carrega profundo significado jurídico: o veto ao aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O tema não pode – e não deve – ser interpretado apenas sob o prisma político. O recuo do Executivo representa, sobretudo, uma reafirmação do caráter constitucional do IOF como instrumento de regulação econômica, e não como mecanismo ordinário de arrecadação.
O IOF, como previsto no artigo 153, inciso V, da Constituição Federal, é um tributo dotado de natureza marcadamente extrafiscal. Sua função primária não é arrecadar, mas intervir no domínio econômico, regulando operações de crédito, câmbio, seguro e títulos mobiliários. Essa característica permite ao Poder Executivo, por meio de decreto, majorar ou reduzir alíquotas com agilidade, sem necessidade de processo legislativo. Contudo, esse poder, embora legítimo, é condicionado e finalístico: as alterações devem ter por escopo a política econômica — e não o simples fechamento de contas públicas.
Ao anunciar o aumento das alíquotas em meses anteriores, o Executivo justificou a medida como estratégia para ampliação da arrecadação, especialmente diante de metas fiscais apertadas. Entretanto, essa motivação não se sustenta juridicamente. A elevação da carga tributária por decreto, com finalidade unicamente arrecadatória, esvazia a natureza jurídica do tributo, desvia sua finalidade e ultrapassa os limites constitucionais que balizam o exercício do poder de tributar.
É nesse contexto que o Congresso Nacional, em resposta, aprovou decreto legislativo sustando os efeitos do aumento. E, mais importante que o resultado político, foi a fundamentação jurídica da medida legislativa: ao utilizar o IOF como fonte de receita comum, o Executivo transgrediu o princípio da legalidade tributária e afrontou a própria sistemática do imposto, que exige motivação técnica alinhada à política monetária, cambial ou creditícia.
A tentativa do governo de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para reverter a decisão legislativa revela a complexidade institucional do tema. No entanto, a jurisprudência do STF tem sido firme ao reconhecer os limites da atuação do Executivo em matéria tributária, exigindo motivação técnica idônea para alterações por decreto, notadamente quando se trata de tributos com função regulatória.
O veto presidencial, portanto, longe de configurar mera concessão política, representa um recuo jurídico necessário, que resguarda a coerência do sistema constitucional tributário. Permitir que o IOF seja manipulado como válvula de escape para necessidades fiscais emergenciais significaria abrir perigoso precedente para o uso indiscriminado de tributos regulatórios com fins estritamente arrecadatórios, gerando insegurança jurídica e instabilidade econômica.
Para os contribuintes — especialmente para empresas que operam com crédito, câmbio e seguros — a manutenção das alíquotas anteriores evita um impacto tributário abrupto e, ao mesmo tempo, preserva a previsibilidade necessária à tomada de decisões financeiras. Já para a ordem jurídica, o episódio reafirma a premissa de que não há espaço, em um Estado de Direito, para tributos sem finalidade legítima nem para decretos que ultrapassem seus limites funcionais.
A discussão, ainda em curso no âmbito do STF, será importante para delimitar, de forma definitiva, o alcance da competência do Executivo na regulação tributária. Mas o veto já marca uma inflexão significativa e necessária: tributar, no Brasil, exige fundamento, finalidade e respeito ao pacto constitucional.
Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!