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Modus operandi brasileiro: omitir, explodir, remediar, repetir
A megaoperação policial no Rio de Janeiro, que resultou em aproximadamente 121 mortes, mais uma vez evidenciou um padrão crônico da administração pública brasileira: a necessidade de que tragédias aconteçam para que medidas sejam tomadas. Este modus operandi, que se repete há décadas na história nacional, revela uma cultura política reativa que privilegia respostas emergenciais em detrimento de políticas preventivas e estruturais.
A análise histórica do país confirma essa tendência sistemática de omissão seguida por ações paliativas. Desde grandes desastres naturais até crises de segurança pública, o padrão se mantém inalterado: autoridades aguardam que situações atinjam níveis críticos para então implementar medidas que, na maioria das vezes, são insuficientes para resolver os problemas de forma definitiva, servindo apenas para amenizar temporariamente as pressões sociais e políticas.
A operação no Rio, considerada a mais letal do país desde o massacre do Carandiru há mais de três décadas, desencadeou uma corrida desesperada entre os três poderes para encontrar soluções que deveriam ter sido implementadas muito antes da situação chegar ao ponto crítico atual. Governo, Legislativo e Judiciário agora se mobilizam freneticamente para contornar uma crise que poderia ter sido evitada com planejamento adequado e ações preventivas.
No Congresso Nacional, a urgência artificial tomou conta da agenda legislativa. A PEC da Segurança, que tramitava em ritmo normal, subitamente ganhou prioridade máxima e terá seu processo acelerado na Câmara dos Deputados a partir de novembro. Essa aceleração revela como o Legislativo brasileiro funciona: projetos importantes ficam engavetados até que uma tragédia force sua tramitação emergencial, comprometendo a qualidade do debate e da análise técnica necessária.
O Senado Federal seguiu a mesma lógica reativa. O presidente Davi Alcolumbre autorizou imediatamente a instalação da CPI do Crime Organizado, proposta pelo senador Alessandro Vieira, que já havia sido aprovada, mas aguardava o "momento certo" para começar a funcionar. Esse momento chegou apenas após 120 mortes, evidenciando que o Senado precisou de uma tragédia para dar início a investigações que deveriam ter começado muito antes.
A CPI, segundo seu proponente, tem como objetivo fazer um diagnóstico da atuação de organizações criminosas no país e apresentar soluções efetivas ao final das investigações. Vieira declarou que "o Brasil não merece ficar eternamente refém de criminosos", uma afirmação que, embora correta, chega tardiamente, após décadas de crescimento e fortalecimento dessas organizações sem resposta adequada do Estado.
No Poder Executivo, o presidente Lula reagiu sancionando projeto de lei que endurece penalidades ao crime organizado e amplia a proteção de agentes públicos em investigações. A nova legislação, publicada no Diário Oficial, penaliza quem obstruir ações contra facções com penas de 4 a 12 anos de prisão, além de multa, e altera o artigo 288 do Código Penal para definir melhor o crime de associação criminosa.
Essa nova lei, embora necessária, exemplifica perfeitamente o padrão brasileiro de legislar sob pressão. Medidas que deveriam ter sido implementadas gradualmente, com amplo debate e análise técnica, são aprovadas às pressas em resposta a crises específicas, muitas vezes resultando em textos imperfeitos que precisarão de correções futuras.
O governador do Pará, Helder Barbalho, demonstrou como a cultura do medo se espalha rapidamente no país. Antecipando-se a possíveis problemas durante a COP-30, solicitou ao governo federal a implantação da Garantia da Lei e Ordem para Belém, usando como modelo o pedido atendido no Rio durante a reunião dos Brics. Essa atitude preventiva, embora compreensível, revela como gestores públicos preferem medidas excepcionais a investimentos estruturais em segurança.
A reação do deputado Átila Lins contra a PEC da Reforma Administrativa ilustra outro aspecto da cultura política brasileira: a resistência a mudanças estruturais mesmo quando são necessárias. O decano da Câmara, ao parabenizar servidores públicos, posicionou-se contra qualquer medida que possa trazer "prejuízos ao funcionalismo", evidenciando como interesses corporativos muitas vezes se sobrepõem ao interesse público.
Essa postura conservadora em relação a reformas estruturais contrasta drasticamente com a velocidade das respostas emergenciais. Enquanto medidas paliativas são aprovadas rapidamente em momentos de crise, reformas fundamentais para prevenir problemas futuros enfrentam resistências sistemáticas e tramitação lenta, perpetuando o ciclo vicioso de omissão e reação.
O padrão crônico brasileiro de "esperar o pior acontecer" tem custos humanos, sociais e econômicos enormes. Cada tragédia que poderia ter sido evitada representa vidas perdidas, recursos desperdiçados e confiança institucional abalada. A operação no Rio, com suas 121 mortes, é apenas o mais recente exemplo de como a falta de planejamento e prevenção resulta em soluções drásticas e traumáticas.
A cultura política brasileira precisa urgentemente evoluir de um modelo reativo para um modelo preventivo. Isso exige mudanças profundas na forma como políticos, gestores públicos e a própria sociedade encaram o planejamento de longo prazo. É necessário valorizar ações preventivas mesmo quando não geram manchetes ou dividendos políticos imediatos.
A transformação desse padrão crônico requer também mudanças na cobrança social e midiática. Enquanto a sociedade e a imprensa focarem apenas em respostas a crises, sem valorizar adequadamente políticas preventivas, os gestores públicos continuarão priorizando ações emergenciais em detrimento de soluções estruturais.
O Brasil precisa aprender a agir antes que o pior aconteça. Isso significa investir em inteligência, planejamento estratégico, políticas públicas de longo prazo e reformas estruturais mesmo quando não há pressão imediata da opinião pública. Somente assim o país poderá quebrar o ciclo vicioso de omissão, tragédia e resposta emergencial que tem caracterizado sua história.
A operação no Rio de Janeiro deve servir como um alerta final sobre os custos de manter esse padrão crônico. As 121 vidas perdidas representam não apenas uma tragédia humana, mas também o fracasso de um sistema que prefere remediar a prevenir. É hora de o Brasil amadurecer politicamente e aprender a agir antes que seja tarde demais.
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