Por que é tão difícil saber a hora de parar?

Por que é tão difícil saber a hora de parar?

Daniel Guanaes, PhD em Teologia pela Universidade de Aberdeen, é pastor presbiteriano, psicólogo clínico e autor do livro “Cuidar de Si” (Ed. Mundo Cristão).
 

De tempos em tempos, acompanhamos histórias de pessoas que se recusam a admitir que o tempo passou. Podem ser artistas que insistem em permanecer nos palcos apesar da saúde frágil, empresários que não aceitam se afastar da rotina do trabalho, ou líderes que não conseguem imaginar a própria vida sem o cargo que ocupam.

Há um dilema existencial interessante por detrás de muitas dessas histórias. Elas nos permitem refletir sobre um drama que muitas famílias vivem: o nosso senso de finitude.

O que fazer quando se percebe que o fim está próximo? É difícil lidar com essa ideia. Como conviver com o desconforto de saber que, em algum momento, não estaremos mais aqui?

Alguns se apegam à produtividade, outros aos papéis que sempre desempenharam. Há quem se recuse a parar, como se o movimento pudesse deter o tempo. Familiares, por sua vez, tendem a participar dessa resistência, muitas vezes com ternura e medo. É como se todos, juntos, tentassem adiar o inevitável: a linha de chegada.

Como psicólogo, cuido de gente cuja vida está próxima do fim. Em alguma medida, todos estamos. Acontece que fatores como idade ou doença terminal tornam essa percepção mais aguda. Nessas horas, familiares são os que mais ignoram os indicadores. O instinto de preservação fala mais alto do que a razão. É mais fácil insistir na continuidade do que aceitar o término.

Conheço bem essa escolha de trazer o divino para a conversa sobre a finitude. Além de psicólogo, sou um líder religioso. No imaginário da fé, Deus é a força que não se pode resistir. Nessas horas, entra em cena a resignação. O que mais ouço quando a vida chega ao fim é: “pastor, Deus quis assim”. Há uma sabedoria nessa entrega: a de aceitar que há algo maior do que o nosso controle.

Ainda assim, muitos preferem se agarrar àquilo que os fez sentir úteis. Continuar trabalhando, ensinando, decidindo, produzindo. É uma forma de defesa psíquica. Preservar os papéis produtivos é tentar manter viva a fantasia de que o fim ainda está distante. Admitir que as coisas não são mais como antes parece, para alguns, o mesmo que se entregar.

Mas o drama humano da finitude é universal. Cada pessoa, em algum momento, precisa encará-lo. Falar sobre a morte, paradoxalmente, pode ser uma forma de cuidar da vida. Requer coragem, fé e humildade. Buscar ajuda emocional, cultivar gratidão e aceitar o curso natural do tempo podem nos tornar mais serenos diante do inevitável.

Ninguém impede a vida de seguir o seu curso. Nem o mais poderoso, nem o mais sábio, nem o mais piedoso. O medo de ver o fim se aproximar torna o ser humano teimoso. Mas, às vezes, essa teimosia é o que mais prolonga o sofrimento. Um dos efeitos colaterais de desfrutar algo bom é saber que, em algum momento, aquilo vai acabar. O fim é inevitável — e, paradoxalmente, é ele que dá sentido à vida.

 

Por Jornal da República em 28/10/2025
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