Rio ignora BNDES e gasta R$ 18,7 milhões para privatizar Cedae lucrativa e esquece que Alerj já proíbiu venda da CEDAE no passado, dada em garantia a empréstimo ao banco BNP Paribas

Cedae rendeu R$ 1 bi em 2024, mas Rio quer vendê-la mesmo assim

Rio ignora BNDES e gasta R$ 18,7 milhões para privatizar Cedae lucrativa e esquece que Alerj já proíbiu venda da CEDAE no passado, dada em garantia a empréstimo ao banco BNP Paribas

Governo contrata consultoria de R$ 18,7 milhões para vender estatal bilionária, ignorando modelagem que recomendava manutenção pública da produção de água

O Governo do Estado do Rio de Janeiro publicou na semana passada, no Diário Oficial, a contratação pela Cedae do consórcio Hidro Rio, uma consultoria privada que custará R$ 18,7 milhões aos cofres públicos. O objetivo do serviço é avaliar e estruturar a venda de ações da companhia estatal de água e saneamento, sinalizando uma possível privatização completa da produção de água no estado fluminense, em movimento que contraria frontalmente as orientações técnicas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A decisão representa uma ruptura com a estratégia técnica desenvolvida pelo BNDES, que havia definido como vantajosa a manutenção da Cedae sob controle estatal na produção de água. Todas as modelagens anteriores sobre a companhia, que resultaram na bem-sucedida privatização da distribuição em lotes regionais, foram elaboradas pelo banco de desenvolvimento federal, que possui ampla expertise no setor de saneamento.

O BNDES foi deliberadamente afastado do processo atual porque a venda do sistema de tratamento de água — incluindo a estratégica Estação de Tratamento do Guandu, considerada a "joia da coroa" da Cedae — conflita diretamente com a modelagem técnica desenvolvida pela instituição federal. O banco havia concluído que seria mais vantajoso manter a Cedae como estatal na produção, vendendo apenas a distribuição para o setor privado.

A Cedae apresentou resultados financeiros expressivos em 2024, registrando lucro de aproximadamente R$ 1 bilhão. Segundo o deputado Jari Oliveira (PSB), presidente da Comissão de Saneamento Ambiental da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), esse valor poderia dobrar com a otimização das operações da empresa, questionando a lógica econômica por trás da privatização de uma estatal altamente lucrativa.

A situação se torna ainda mais complexa quando analisado o histórico financeiro da Cedae em relação ao empréstimo contraído pelo estado junto ao banco BNP Paribas. Em dezembro de 2017, o governo fluminense tomou um empréstimo de R$ 2,9 bilhões com o BNP Paribas, destinado ao pagamento de salários atrasados de servidores públicos estaduais. O empréstimo foi estruturado como uma antecipação de receita da privatização da Cedae, com prazo de três anos e taxa de juros anual de 10,7%.

Em 2028 a Alerj chegou a proibir a venda da companhia de água, dada em garantia a empréstimo A principal garantia do empréstimo de R$ 2,9 bilhões contraído pelo governo estadual do Rio de Janeiro junto ao banco francês BNP Paribas foi suprimida do acordo pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) deixou de figurar no negócio, com a derrubada, de um veto do governador Luiz Fernando Pezão à lei aprovada pela Casa, que proibia a venda da Cedae. 

Sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro - Divulgação Alerj

Como garantia da operação, o estado ofereceu até 50% das ações da Cedae ao banco francês. O empréstimo representava uma aposta do governo estadual de que conseguiria privatizar a empresa e quitar a dívida com os recursos obtidos na venda. No entanto, a operação não saiu conforme planejado, e em janeiro de 2021, o Tesouro Nacional teve que assumir o pagamento de uma dívida de R$ 4,5 bilhões do Estado do Rio com o BNP Paribas.

A intervenção do Tesouro Nacional confirmou que arcaria com a dívida e buscaria o ressarcimento através do bloqueio de receitas futuras do estado, demonstrando como a gestão financeira estadual comprometeu ativos estratégicos em operações de alto risco. Essa experiência anterior torna ainda mais questionável a nova tentativa de privatização da Cedae.

Em declaração recente à Comissão de Saneamento da Alerj, em 1º de agosto, o diretor da Cedae, Humberto Mello, afirmou categoricamente que não existia qualquer estudo relacionado à venda de capital da companhia de água. A contratação da consultoria Hidro Rio, publicada apenas algumas semanas depois, contradiz frontalmente essa declaração e levanta sérios questionamentos sobre a transparência do processo decisório.

A Estação de Tratamento do Guandu, que seria incluída no pacote de privatização, é responsável pelo abastecimento de água de milhões de pessoas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Considerada uma das maiores estações de tratamento de água do mundo, a unidade representa um ativo estratégico fundamental para o saneamento básico da região mais populosa do estado.

O modelo desenvolvido pelo BNDES para o setor de saneamento fluminense havia se mostrado tecnicamente sólido e financeiramente viável. O processo de privatização da distribuição de água, conduzido pela instituição federal, resultou na divisão do território fluminense em quatro blocos regionais, que foram concedidos a diferentes empresas privadas. Esse modelo preservou a Cedae como produtora de água tratada, vendendo o produto para as concessionárias privadas responsáveis pela distribuição aos consumidores finais.

A decisão de contratar uma consultoria privada em detrimento da expertise técnica consolidada do BNDES levanta questões sobre os critérios utilizados para essa mudança radical de estratégia. O banco federal possui décadas de experiência em processos de desestatização e modelagem de concessões no setor de saneamento, tendo coordenado com sucesso projetos similares em todo o país.

A contratação do consórcio Hidro Rio por R$ 18,7 milhões representa um investimento significativo em consultoria para um processo que, segundo especialistas do setor, poderia comprometer a sustentabilidade financeira do saneamento no estado. A privatização da produção de água poderia resultar em aumentos tarifários para os consumidores e redução da capacidade de investimento público no setor.

O deputado Jari Oliveira tem se posicionado veementemente contra a privatização completa da Cedae, argumentando que a empresa representa uma fonte estratégica de receitas para o estado e um instrumento fundamental de política pública para garantir o acesso universal à água tratada. O parlamentar questiona a racionalidade de vender uma empresa que apresenta lucros bilionários e possui potencial comprovado de crescimento.

A experiência anterior com o empréstimo do BNP Paribas serve como um alerta sobre os riscos de usar ativos estratégicos como a Cedae em operações financeiras complexas. O fato de o Tesouro Nacional ter precisado assumir a dívida demonstra como decisões precipitadas podem comprometer não apenas as finanças estaduais, mas também impactar o orçamento federal.

A decisão do governo estadual de afastar o BNDES e contratar consultoria privada para avaliar a privatização da Cedae representa uma inflexão perigosa na política de saneamento do Rio de Janeiro, com potenciais impactos negativos de longo prazo para o abastecimento de água na região metropolitana, para as finanças públicas estaduais e para a sustentabilidade do setor como um todo.

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Por Jornal da República em 15/09/2025
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