Tribunal de Justiça declara inconstitucional aumento de gratificação da Seap

Órgão Especial entende que Assembleia Legislativa violou iniciativa do Executivo, mas servidores não precisarão devolver valores recebidos

Tribunal de Justiça declara inconstitucional aumento de gratificação da Seap

TJRJ declara inconstitucional aumento de gratificação para servidores da Seap

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tomou uma decisão que reafirma os limites constitucionais entre os poderes Executivo e Legislativo no estado fluminense. Em julgamento unânime, os desembargadores declararam inconstitucionais dispositivos da Lei Estadual nº 9.632/2022, que ampliava a Gratificação de Valorização Profissional para servidores da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. A decisão, relatada pelo desembargador Luiz Eduardo Canabarro, estabelece precedente importante sobre os limites da atuação parlamentar em matérias de competência exclusiva do governador.

A lei questionada passou por modificações significativas durante sua tramitação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O projeto original, enviado pelo Executivo, previa uma estrutura diferenciada de gratificações: 18% para servidores da Subsecretaria de Gestão Operacional e 12,6% para as demais unidades da Seap. No entanto, emendas parlamentares alteraram substancialmente a proposta, estendendo o percentual máximo de 18% para todos os servidores da secretaria, incluindo aposentados.

Essa ampliação representou um aumento considerável no impacto financeiro da medida, extrapolando os limites orçamentários inicialmente previstos pelo governo estadual. O Tribunal de Justiça identificou nessas alterações uma violação aos princípios constitucionais que regem a separação de poderes e a iniciativa legislativa exclusiva do Executivo em matérias relacionadas a despesas com servidores públicos.

Fundamentos constitucionais da decisão

A decisão do TJRJ baseou-se em dispositivos tanto da Constituição Federal quanto da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que estabelecem competência privativa do chefe do Executivo para propor leis que tratem de criação, alteração ou extinção de cargos públicos, bem como fixação ou modificação de vencimentos e vantagens dos servidores. Essa regra visa preservar o equilíbrio orçamentário e garantir que o governador mantenha controle sobre as despesas de pessoal do estado.

O relator enfatizou que a Assembleia Legislativa, ao ampliar significativamente o alcance da gratificação através de emendas parlamentares, invadiu esfera de competência exclusiva do Executivo. Tal entendimento alinha-se com jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, que tem reiteradamente afirmado a impossibilidade de o Legislativo aumentar despesas em projetos de iniciativa do Executivo.

A fundamentação jurídica da decisão também considerou o princípio da reserva de iniciativa, segundo o qual determinadas matérias só podem ser objeto de proposição legislativa por agentes específicos. No caso de despesas com servidores públicos, essa prerrogativa pertence exclusivamente ao chefe do Poder Executivo, que possui melhor conhecimento da situação orçamentária e financeira do estado.

Modulação dos efeitos e proteção dos servidores

Apesar de declarar a inconstitucionalidade da lei, o Tribunal de Justiça adotou uma postura equilibrada ao modular os efeitos de sua decisão. Reconhecendo que os servidores receberam os valores de boa-fé, confiando na validade da legislação vigente, os desembargadores determinaram que ninguém precisará devolver as quantias já pagas até a publicação do acórdão.

Essa modulação reflete princípios fundamentais do direito administrativo, como a proteção da confiança legítima e a segurança jurídica. Os servidores da Seap, ao receberem a gratificação com base em lei formalmente válida, não poderiam ser prejudicados por vício que não deram causa. A decisão reconhece que a declaração de inconstitucionalidade não pode gerar efeitos retroativos que prejudiquem direitos adquiridos de boa-fé.

O tribunal também considerou o impacto social e econômico que a devolução dos valores causaria aos servidores e suas famílias. Muitos profissionais da administração penitenciária já haviam incorporado a gratificação em seus planejamentos financeiros, tornando a restituição uma medida desproporcional e prejudicial ao interesse público.

Efeitos vinculantes e precedente jurisprudencial

A decisão do Órgão Especial possui efeito vinculante interno, o que significa que todas as demais câmaras e turmas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deverão seguir o mesmo entendimento em casos similares. Essa vinculação garante uniformidade na aplicação do direito e evita decisões contraditórias dentro da mesma corte.

O precedente estabelecido influenciará diretamente processos individuais já em tramitação, como o caso de Lenimison Valdevino da Silva contra o Rioprevidência. Ações semelhantes que questionem a constitucionalidade da lei ou busquem a manutenção da gratificação serão julgadas com base nos fundamentos estabelecidos nesta decisão.

A jurisprudência criada também servirá como orientação para futuras proposições legislativas, alertando parlamentares sobre os limites constitucionais de sua atuação em matérias de competência privativa do Executivo. O precedente reforça a importância do respeito à separação de poderes e aos procedimentos constitucionais na elaboração de leis.

Impactos na administração penitenciária

A decisão do TJRJ terá repercussões diretas na gestão da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, que precisará adequar sua estrutura de gratificações aos parâmetros originalmente propostos pelo Executivo. A secretaria deverá implementar os percentuais diferenciados inicialmente previstos: 18% para a Subsecretaria de Gestão Operacional e 12,6% para as demais unidades.

Essa diferenciação pode gerar questionamentos internos sobre critérios de valorização profissional e equidade entre servidores de diferentes setores da administração penitenciária. A secretaria precisará desenvolver estratégias de comunicação e gestão para explicar as mudanças e manter a motivação das equipes.

O sistema penitenciário fluminense, que já enfrenta desafios estruturais significativos, precisará lidar com os impactos da decisão na moral dos servidores. A administração deverá buscar alternativas legais para valorizar os profissionais, respeitando os limites constitucionais estabelecidos pelo tribunal.

Reflexos no relacionamento entre poderes

A decisão do TJRJ reforça a importância do diálogo institucional entre Executivo e Legislativo na elaboração de políticas públicas. O caso evidencia a necessidade de maior coordenação entre os poderes para evitar conflitos constitucionais que possam prejudicar a implementação de medidas de valorização dos servidores públicos.

O precedente também destaca a relevância do controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário como guardião dos princípios constitucionais. A atuação do tribunal preserva o sistema de freios e contrapesos essencial ao funcionamento democrático, impedindo que um poder invada competências de outro.

A decisão pode influenciar futuras relações entre o governo estadual e a Assembleia Legislativa, estabelecendo parâmetros mais claros para a tramitação de projetos que envolvam despesas com servidores. Espera-se que o precedente contribua para maior segurança jurídica e previsibilidade nas relações institucionais.

O julgamento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro representa um marco importante na definição dos limites constitucionais da atuação legislativa em matérias de competência exclusiva do Executivo. A decisão equilibra a necessidade de preservar a separação de poderes com a proteção dos direitos adquiridos pelos servidores, estabelecendo precedente relevante para casos futuros e contribuindo para o fortalecimento do Estado de Direito no âmbito estadual.

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Por Jornal da República em 18/10/2025
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