MAR DE ANGRA: Turisangra Mostra Eficiência Enquanto Capitania é Alvo de Denúncia à Polícia Federal por 'Fiscalização Performática'

ANGRA DOS REIS – O verão na Baía da Ilha Grande começou sob o signo de um contraste profundo: de um lado, o sucesso de uma nova estratégia de ordenamento; de outro, o flagrante de uma omissão institucional que já dura uma década. Enquanto a Turisangra demonstra que é possível impor a ordem com inteligência e presença, a Delegacia da Capitania dos Portos enfrenta acusações gravíssimas de prevaricação após ser filmada validando crimes de desobediência judicial na véspera do Natal.

O Histórico: Uma Década de Pressão e Turismo Predatório

Há mais de dez anos, moradores da Ponta Leste assistem ao avanço desenfreado do turismo predatório, principalmente o náutico. O que antes eram infrações isoladas evoluiu para uma "selvageria" dominada por condutores de barcos, escunas e jet skis. 

Historicamente, os órgãos de fiscalização recuaram diante da pressão política e econômica dos operadores.

A reportagem recorda o breve período de Fernando Seabra à frente da Turisangra. Indicado pelo ex-vice-prefeito Cristiano Alvernaz, Seabra iniciou operações severas que incomodaram a "maioria" que opera à margem da lei. No entanto, sob forte pressão, deixou o cargo após pouco mais de um ano. Seu sucessor, Marc Olichon (indicado pelo vereador Dudu do Turismo), assumiu prometendo "retomar o diálogo", o que moradores classificaram como o retorno do vale-tudo. 

E foi exatamente o que ocorreu, agravando-se progressivamente a situação. A ausência de fiscalização efetiva não apenas permitiu a continuidade das irregularidades, como também contribuiu para que estas se tornassem cada vez mais frequentes e graves, demonstrando um quadro de deterioração constante.

Um vídeo emblemático da época registra os vereadores Chapinha e Charles do INSS pressionando Olichon em reunião oficial com presença de operadores turísticos para liberar embarques na Praia do Objetivo — local proibido pela legislação municipal. A promessa de liberação foi feita diante das câmeras, consolidando o que se tornou um cenário de caos, com degradação ambiental, aumento de acidentes e mortes no mar. Surrealmente, Chapinha filmou e publicou em suas redes sociais.

A Virada da Turisangra e o Efeito Dissuasão

Após anos de denúncias ao Ministério Público Federal (MPF), uma Ação Civil Pública resultou em sentença da Justiça Federal ordenando a fiscalização imediata e eficiente. Se antes Turisangra e Capitania se esquivavam, a nova gestão de fiscalização da autarquia municipal, com equipe comandada por Kze, parece ter mudado o jogo.

Em poucos dias, a equipe conseguiu o que parecia impossível: impedir operações turísticas em áreas proibidas. Com fiscalização intensiva nos pontos críticos e autuações severas, a Turisangra aplicou o efeito dissuasão. Na região da Ponta Leste, o resultado foi imediato: nenhuma embarcação operando em áreas proibidas num sábado véspera de final de ano, e um trabalho preventivo de conscientização que recebeu elogios de moradores e de muitos operadores irregulares.

Cumpre esclarecer que a Turisangra possui competência restrita à fiscalização - em terra dos locais de embarque e dos operadores do turismo náutico, não lhe cabendo a apuração de infrações marítimas, que são de competência exclusiva da Marinha do Brasil, por meio da Capitania dos Portos.

Entretanto, enquanto persiste essa estranha resistência da Marinha, observa-se que cada vez mais embarcações vêm cometendo infrações graves no mar de Angra dos Reis, tais como navegar em altíssima velocidade nas proximidades de banhistas e das costas, colocando em risco a integridade física das pessoas e agravando os danos ambientais já constatados.

O "Teatro" da Marinha e o Flagrante na Biscaia

Enquanto a Turisangra atua nos horários de pico, a Delegacia da Capitania dos Portos de Angra continua sendo alvo de críticas por fiscalizações pífias e em horários que "estranhamente" coincidem com a ausência de infratores. Na manhã de 24 de dezembro, contudo, a máscara do "teatro" caiu.

Na Praia da Biscaia (área de RESEX marinha e APA DE TAMOIOS), a viatura náutica da Capitania estava presente quando a embarcação Arsenal II (da empresa Capelinha Turismo) adentrou a enseada em alta velocidade para embarcar mais de 10 hóspedes de pousada na faixa de areia. 

Agentes da Marinha visualizaram a manobra proibida e não a impediram. Após a abordagem no meio da enseada, a embarcação foi liberada para seguir o passeio com os passageiros — uma validação clara da infração em troca de uma multa que funciona como "pedágio".

Denúncia Formal à Polícia Federal

O episódio gerou indignação imediata. Um dossiê robusto foi protocolado na Polícia Federal (Protocolo nº 2025.12.24.183459.191) A denúncia aponta três pilares de irregularidade:

1. Inércia Dolosa: Aguardar a conclusão do crime (embarque) para só então abordar.

2. Validação do Ilícito: Liberar o barco para lucrar com o passeio proibido após a abordagem performática.

3. Logística do Crime: Permitir o fundeio permanente de escunas na Biscaia que agora operam ilegalmente no Objetivo, que servem de "base de apoio" para a operação ilegal.

Entretanto, os moradores já não depositam confiança no trabalho da Polícia Federal em Angra dos Reis quanto a assuntos ambientais. Tal descrédito decorre de episódios anteriores, como quando, à época da chamada “queda” de Seabra, moradores procuraram pessoalmente o delegado da unidade, relatando interferências políticas diversas para o não cumprimento da Lei 3830/18, e este se recusou a instaurar investigação.

Mais recentemente, ao comunicarem pelo telefone do plantão sobre flagrante envolvendo a Capitania dos Portos para urgente recolhimento de provas, receberam como resposta de um agente que deveriam procurar a própria Capitania — justamente a autoridade apontada como omissa e suspeita. Situação absolutamente surreal, que reforça a percepção de ineficácia e de falta de vontade institucional em apurar os fatos. Fora outras estranhos fatos ocorridos.

Suspeita de Vazamento e Falta de Transparência

Há anos, a estratégia da Delegacia da Capitania dos Portos em Angra é denunciada por moradores como um "jogo de esconde-esconde". A tática é cirúrgica: a viatura náutica aparece sistematicamente nos horários anteriores ou posteriores ao pico de movimentação. Quando o mar está tomado por barcos, escunas e jet skis cometendo irregularidades, a autoridade está ausente. 

Quando, por pressão, a fiscalização ocorre no horário de pico, o "teatro" entra em cena. Moradores relatam que as embarcações infratoras muitas vezes "somem" minutos antes da chegada da Marinha, levantando suspeitas gravíssimas de vazamento de cronogramas. E quando o encontro é inevitável, como ocorreu no dia 24, a conduta da autoridade choca pela complacência.

Circulam boatos sem comprovação de que o valor das propinas teria se elevado em razão das denúncias apresentadas, o que demonstra a gravidade da situação e a possível contaminação da fiscalização por interesses escusos.

Ademais, a simples informação de que tempos atrás uma moradora esteve presente na sede da DPC e da Turisangra - para cobrar providências, foi divulgada em grupos de WhatsApp da região em menos de 24 horas, evidenciando a existência de vazamentos internos e a falta de sigilo institucional, circunstâncias que fragilizam ainda mais a credibilidade das autoridades envolvidas. 

Certo ex-comandante ordenou internamente na época que a mesma não fosse mais atendida em nenhum dos canais de denuncias. O mesmo que recebeu cópias das mensagens das informações vazadas e não instaurou nenhuma sindicância perante o gravíssimo fato. Esse comandante foi promovido posteriormente.

Moradores denunciam também que a Capitania se recusa a fornecer informações sobre as "autorizações especiais" de fundeio de escunas ligadas a certas operadoras (como a Escunas Tavares, sucessora da Riquinho Turismo, e Costa do Marfim Turismo) e, tais Poitas supostamente pertencem a uma grande pousada na Biscaia.  

Notificada a proceder à retirada das escunas, em cumprimento à determinação judicial, a autoridade responsável se recusa a cumprir e sequer apresenta resposta adequada às notificações recebidas, limitando-se a tergiversar e deixando de oferecer fundamentos legais, como expressamente exige a lei.

Mesmo sob o rigor da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), o órgão insiste em manter ilegalmente o sigilo, prática que apenas alimenta suspeitas de conluio e favorece a impunidade.

Além disso, recusa-se sistematicamente a informar aos denunciantes o andamento das denúncias já protocoladas, em flagrante violação ao princípio da transparência e ao direito de acompanhamento processual. Quando eventualmente encaminha algum material, limita-se a enviar fotos e vídeos esporádicos, sem qualquer registro de data ou horário, o que compromete a credibilidade da fiscalização e impossibilita a verificação da efetividade das ações

A conclusão é amarga: enquanto não houver uma investigação profunda sobre os motivos que levam a Marinha a ignorar sentenças judiciais e Leis de ordenamento e ambientais por mais de uma década em Angra, a segurança de banhistas, usuários e o ecossistema da Baía da Ilha Grande continuarão reféns de um jogo de cartas marcadas.

Muito sangue ainda irá jorrar no mar de Angra enquanto isso não for estancado.

Por Jornal da República em 27/12/2025
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