Relatório ignora proposta da deputada Erika Hilton e mantém escala 6×1

Texto final preserva trabalho em seis dias por semana e limita apenas horas e adicionais aos fins de semana

Relatório ignora proposta da deputada Erika Hilton e mantém escala 6×1

A Câmara dos Deputados recebeu nesta terça-feira o relatório final da Subcomissão Especial para Debater o Fim da Escala 6×1, criada para discutir caminhos alternativos a um dos modelos de jornada mais criticados por trabalhadores, especialistas e movimentos sociais no Brasil.

A subcomissão nasceu com o objetivo de avaliar mecanismos que pudessem viabilizar o abandono do 6×1 e a transição para arranjos mais equilibrados, como o 5×2. Durante meses, foram realizadas audiências em diferentes estados, com a participação de sindicatos, entidades empresariais, pesquisadores e representantes do movimento Vida Além do Trabalho.

A relatoria ficou a cargo do deputado Luiz Gastão (PSD-CE), que recebeu a tarefa de sistematizar as contribuições e apresentar um texto capaz de refletir o acúmulo do debate nacional sobre jornadas mais humanas.

Mas o documento apresentado nesta terça frustrou boa parte das expectativas criadas: em vez de apontar para a superação do 6×1, o relatório preserva o modelo, faz ajustes pontuais e esvazia a principal bandeira defendida pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e pelos articuladores da mudança.

Reconhece problemas, mas não altera modelo

O texto reconhece que a escala 6×1 “limita a convivência familiar”, reduz o tempo disponível para estudo e aumenta riscos de adoecimento, repetindo conclusões apresentadas nas audiências. No entanto, Gastão argumenta que mudanças estruturais poderiam “gerar impactos negativos sobre setores essenciais, micro e pequenas empresas e atividades contínuas”. Por isso, optou por manter o modelo e concentrar as alterações nos fins de semana.

Ao defender esse “ponto de equilíbrio”, o relator sustenta que é possível corrigir excessos sem alterar a lógica predominante da legislação trabalhista. Na prática, sua proposta reafirma a permanência do 6×1 como estrutura central da jornada no país, ao mesmo tempo em que inclui dispositivos que, segundo ele, ajudariam a reduzir desgastes acumulados.

O que o texto propõe

  • Manutenção da possibilidade de seis dias trabalhados por semana, consolidando o 6×1 como estrutura padrão da legislação trabalhista.
  • Limite de seis horas de trabalho aos sábados e domingos, reduzindo a extensão das jornadas nesses dias.
  • Adicional de 100% para horas extras realizadas acima da sexta hora nos fins de semana, encarecendo jornadas prolongadas.
  • Obrigatoriedade de revezamento quinzenal de domingos, impedindo a repetição contínua de escalas sem descanso.
  • Reconhecimento formal de que o 6×1 prejudica a vida social, embora o relatório não proponha sua substituição.
  • Preservação do 5×2 apenas como alternativa jurídica, sem criar incentivos, diretrizes ou metas para sua adoção.
  • Defesa de ajustes graduais, argumentando que rupturas mais profundas poderiam afetar negativamente setores dependentes de operação contínua.
  • Foco na contenção de custos para empresas, priorizando um arranjo que não altere a lógica predominante das jornadas.
  • Uso reiterado da informalidade como justificativa, alegando que mudanças bruscas poderiam estimular migração para arranjos precários.

Apesar de reconhecer os impactos do 6×1 sobre a vida dos trabalhadores, o relatório não oferece mecanismos capazes de incentivar ou orientar uma transição para o 5×2. O modelo, que havia sido defendido nas audiências como alternativa mais saudável, aparece apenas como possibilidade já prevista na legislação — uma formalidade que, na prática, não altera a dinâmica de negociações entre empresas e empregados.

Governo reage contra relatório

O governo federal decidiu se posicionar publicamente contra o relatório do deputado Luiz Gastão (PSD-CE) sobre a reforma da jornada e da escala de trabalho, antes mesmo de o texto avançar nas etapas seguintes da Câmara.

A reação saiu de uma reunião realizada no Palácio do Planalto com a presença de Gleisi Hoffmann, ministra de Relações Institucionais, e do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos. Ambos afirmaram que o governo defenderá o fim da escala 6×1, a adoção de uma jornada máxima de 5×2 e a redução da jornada semanal para 40 horas, alinhados ao movimento Vida Além do Trabalho.

Gleisi declarou que o tema será tratado como prioridade política, especialmente após a aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, e classificou o fim do 6×1 como uma “bandeira muito importante” do governo Lula. Ela afirmou que a defesa da mudança se baseia na necessidade de garantir “vida além do trabalho”, com mais tempo de descanso, convivência familiar e resolução de demandas pessoais.

O parecer dedica parte significativa de sua argumentação a riscos econômicos: fechamento de pequenas empresas, aumento da informalidade e danos a setores que operam de forma contínua. Esses fatores foram usados para justificar o recuo em relação às propostas de mudança estrutural.

Próximos passos

O texto entra agora na fase de discussão e deliberação interna na Comissão de Trabalho. Deputados poderão sugerir alterações, apresentar destaques e negociar ajustes. Depois disso, a proposta pode ser incorporada a discussões legislativas mais amplas sobre jornada de trabalho ou servir de base para substitutivos a serem apresentados no colegiado. Também é provável que o tema seja levado ao colégio de líderes, que decidirá se dará ou não prioridade à tramitação.

O resultado final reforça a distância entre o que foi defendido pela subcomissão ao longo de meses — especialmente o fim do 6×1 e a adoção de uma jornada mais equilibrada — e o que foi efetivamente apresentado ao Congresso.

Por Jornal da República em 03/12/2025
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