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Por Renzo Pestana Barroso, advogado e jornalista
Pela primeira vez, um ministro do Supremo brasileiro entrou na mira direta do regime de sanções dos Estados Unidos. Em 30 de julho, o Departamento do Tesouro incluiu Alexandre de Moraes na lista de sancionados da Global Magnitsky: lá fora, isso congela bens sob jurisdição americana e proíbe que empresas e bancos dos EUA façam negócios com ele. Duas semanas antes, o Departamento de Estado já havia revogado os vistos do ministro e de familiares diretos. Na prática: sanção financeira de um lado, restrição de vistos de outro.
Antes de qualquer polêmica, vamos ao básico, em bom português. A Lei Magnitsky é um mecanismo usado pelos EUA para punir, individualmente, estrangeiros acusados de violações graves de direitos humanos ou corrupção. Não é um “bloqueio ao Brasil”; é um bloqueio à pessoa que os EUA apontaram. O efeito jurídico vale onde os EUA têm alcance: dentro do território americano, no sistema em dólar e nas redes de cartão com sede lá. É por isso que o Tesouro fala em “propriedade bloqueada” e explica a regra dos 50%: se o sancionado detiver 50% ou mais de uma empresa, essa empresa também fica bloqueada no sistema deles — abaixo disso, vira caso a caso, com mais checagens.
E os bancos brasileiros, como reagiram? De forma pragmática. Logo após o anúncio, departamentos jurídico e de compliance das grandes instituições se reuniram com a Febraban e consultorias internacionais para alinhar procedimentos. O recado interno foi direto: operações em reais, dentro do Brasil, seguem normais; o aperto está no que toca o dólar ou contrapartes americanas (remessas, cartões internacionais, custódia lá fora). Nesses casos, os filtros ficaram mais rígidos e, se houver risco de esbarrar na sanção, a transação tende a ser negada — decisão de autoproteção, para não perder correspondentes em Nova York. Reportagens de agências internacionais e da imprensa brasileira confirmam esse movimento de ajuste e a busca de orientação técnica junto à Febraban.
Surge então a pergunta que mais ouço nas empresas e na rua: “Isso fere a soberania do Brasil?” Do ponto de vista estritamente jurídico, os EUA não estão mandando em nada por aqui; não há ordem americana válida para congelar salário ou fechar conta no Brasil. O que existe é o dono do “cano do dólar” dizendo: no meu sistema, essa pessoa não passa. Como o mundo usa esse cano para pagar e receber, os bancos — brasileiros inclusive — se adaptam para não perder acesso. É ingerência? É pressão econômica e reputacional, sem dúvida. Mas o que pesa mesmo, para o seu dia a dia, é a interdependência: o dólar continua sendo a rodovia principal do comércio global, e ninguém quer ficar sem pedágio. (E, sim, o Itamaraty protestou; e, sim, a tensão diplomática subiu nos últimos dias.)
“E eu, cidadão comum?” Para 99% das pessoas, nada muda. Pix, salário, financiamento, compras no débito — tudo segue igual. O que pode aparecer é mais pente-fino em operações com cara de exterior (cartão internacional, remessa em dólar) e um pouco de humor no câmbio quando a política esquenta. Se você não tem relação direta com pessoas sancionadas, a vida bancária continua. Se tem negócios que dependem de dólar ou de bancos americanos, prepare-se para mais papelada e prazos um pouco maiores — é o compliance fazendo o trabalho dele.
Para entender o contexto, vale lembrar: a Magnitsky já foi usada contra envolvidos no assassinato de Jamal Khashoggi, na Arábia Saudita, e contra autoridades chinesas por abusos em Xinjiang. Em todos os casos, a lógica é a mesma: punir indivíduos, não países inteiros, e pressionar por mudanças de comportamento. Isso não torna a medida “certa” ou “errada” por si só; mostra que não é inédito e que costuma gerar ruído diplomático e ajuste bancário onde o dólar é necessário.
E daqui para frente? Três frentes merecem atenção. Bancos vão continuar rodando filtros contra a SDN List (a lista de sancionados) e ajustando cartões internacionais, remessas em USD e custódia no exterior — tudo sob o guarda-chuva das normas brasileiras de prevenção à lavagem (modelo baseado em risco). Diplomacia deve seguir com notas de protesto, reuniões e tentativas de esfriar a temperatura, enquanto o sancionado pode pedir revisão da medida (delisting) diretamente à OFAC — processo técnico, sem prazo garantido. Política continuará jogando lenha: quanto mais barulho, mais o câmbio e os prazos bancários sentem. Meu conselho prático para empresas com exposição em dólar: planeje transações com folga, mantenha documentação redonda e alinhe-se cedo com seu gerente corporativo — resolve 90% do estresse.
Para fechar, um ponto de método, que importa mais do que a manchete: soberania também se exerce com técnica. O Brasil segue soberano no que é do Brasil. Os EUA mandam no que é deles — o seu território, o seu sistema financeiro, os seus vistos. No meio, há um mundo financeiro interligado: quem precisa do tubo do dólar joga segundo as regras do dono do tubo. Não é uma aula bonita de Direito Constitucional; é a realidade de um sistema global. Cabe a nós — governo, bancos, empresas e cidadãos — entender as regras, reduzir riscos e tocar a vida com informação clara. Esta coluna existe para isso.
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