CPMI do INSS: quando a política sobrepõe-se à busca pela verdade nas investigações

Ex-presidente do instituto se recusa a responder questionamentos do relator e acirra tensões entre oposição e situação durante sessão investigativa.

CPMI do INSS: quando a política sobrepõe-se à busca pela verdade nas investigações

CPMI do INSS vira palco de embates políticos com depoentes protegidos por habeas corpus

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS transformou-se em um verdadeiro campo de batalha político, onde cada sessão revela não apenas as fraudes no sistema previdenciário, mas também as profundas divisões que atravessam o Congresso Nacional. O que deveria ser um espaço técnico de investigação tornou-se um ringue onde narrativas se chocam e a busca pela verdade fica em segundo plano.

Conflitos constantes marcam as investigações

As sessões da CPMI têm sido caracterizadas por discussões acaloradas, suspensões frequentes e um clima de tensão permanente entre os membros da oposição e da situação. Os depoentes, sejam convocados ou convidados, assistem a um espetáculo que pouco contribui para o esclarecimento dos fatos que motivaram a criação da comissão.

A mesa diretora tem enfrentado desafios constantes para manter a ordem e garantir que os trabalhos prossigam dentro dos parâmetros regimentais. Cada questionamento se transforma em oportunidade para embates ideológicos que extrapolam o objeto da investigação.

Habeas corpus como escudo jurídico

Um fenômeno que tem intensificado os conflitos é o uso recorrente de habeas corpus obtidos no Supremo Tribunal Federal (STF) por parte dos depoentes. Embora seja um recurso legal legítimo, sua utilização tem beirado o abuso, criando um ambiente onde testemunhas se sentem blindadas contra questionamentos que possam produzir provas contra si.

Essa estratégia jurídica tem gerado frustração entre os parlamentares investigadores, que veem suas perguntas sistematicamente evitadas sob o argumento da proteção constitucional. O resultado é um ciclo vicioso onde a investigação perde efetividade e os conflitos se multiplicam.

Stefanutto desafia relator e provoca tumulto

O episódio mais recente dessa dinâmica conflituosa ocorreu durante o depoimento do ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. Convidado para esclarecer as fraudes nos benefícios descobertas durante sua gestão, Stefanutto adotou uma postura desafiadora que levou a sessão ao limite da ruptura.

Ao se recusar a responder questionamentos do relator, deputado federal Alfredo Gaspar (União-AL), sobre a nomeação de André Fidelis para a diretoria de Benefícios do INSS, Stefanutto alegou estar protegido por habeas corpus. Sua resposta foi categórica e provocativa: "Eu estou aqui como testemunha, eu decido a minha resposta. Eu defino ser objetivo ou não. É uma audácia e ao mesmo tempo uma agressão aos meus direitos constitucionais".

Oposição articula contra decreto presidencial

Paralelamente aos trabalhos da CPMI, a oposição articula ofensiva contra o Decreto nº 12.604/2025, assinado pelo presidente Lula, que cria estrutura oficial para atender à primeira-dama Janja Silva. Os líderes da Oposição e do PL na Câmara dos Deputados, Zucco (RS) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), protocolaram projetos de decreto legislativo para derrubar a medida.

A crítica central dos parlamentares reside no fato de que Janja não possui cargo público, questionando a legalidade da criação de uma estrutura governamental específica para suas atividades. O decreto, referendado pelos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão), amplia o acesso da primeira-dama aos serviços do Gabinete Pessoal da Presidência.

Financiamento climático insuficiente expõe desigualdades

Em meio aos embates políticos, questões urgentes como as mudanças climáticas revelam a insuficiência das políticas públicas brasileiras. Relatório da Oxfam Brasil divulgado às vésperas da COP-30 mostra que apenas 0,34% do orçamento federal foi destinado à gestão ambiental em 2023.

O documento "Encruzilhada Climática – um retrato das desigualdades brasileiras" evidencia que mulheres negras, populações do Norte e Nordeste e comunidades tradicionais são as mais afetadas pela crise climática. A falta de investimentos em adaptação e gestão ambiental coloca em risco justamente as populações historicamente mais vulneráveis.

Judiciário debate inovação e tecnologia

Enquanto o Legislativo enfrenta suas turbulências, o Judiciário promove discussões sobre o futuro do sistema de justiça. A 9ª edição do ExpoJud, que acontece até quinta-feira (16) em Brasília, reúne 200 palestrantes, incluindo o ministro do STF Paulo Sérgio Domingues, para debater inovação, tecnologia e Direito.

O evento, que conta com 130 estandes de instituições e empresas de tecnologia, aborda temas cruciais como inteligência artificial generativa, cibersegurança, judicialização da saúde e modernização do atendimento ao cidadão. Essas discussões contrastam com o ambiente de confronto que tem caracterizado outras esferas do poder público.

Democracia em teste

A situação da CPMI do INSS reflete um fenômeno mais amplo da democracia brasileira, onde o debate público tem sido substituído por embates partidários que obscurecem questões fundamentais. A investigação de fraudes no sistema previdenciário, que afeta milhões de brasileiros, fica em segundo plano diante das disputas políticas.

O uso estratégico de instrumentos jurídicos como o habeas corpus, embora legítimo, tem criado um ambiente onde a accountability pública fica comprometida. Depoentes se sentem encorajados a desafiar investigadores, sabendo que contam com proteção judicial que pode ser acionada a qualquer momento.

Impactos na credibilidade institucional

Esse cenário tem consequências diretas na credibilidade das instituições democráticas. Quando comissões parlamentares de inquérito se transformam em palcos de espetáculo político, a sociedade perde confiança na capacidade do Estado de investigar irregularidades e responsabilizar agentes públicos.

A polarização excessiva impede que questões técnicas sejam tratadas com a seriedade necessária. No caso específico do INSS, as fraudes identificadas demandam análise cuidadosa e propostas concretas de solução, não embates ideológicos que apenas alimentam a desconfiança pública.

O desafio que se apresenta é como resgatar o caráter investigativo e propositivo das CPMIs, garantindo que cumpram sua função constitucional de fiscalização e controle dos atos do poder público. Isso exige maturidade política de todos os envolvidos e o reconhecimento de que o interesse público deve prevalecer sobre disputas partidárias.

A democracia brasileira precisa encontrar caminhos para que suas instituições funcionem de forma efetiva, permitindo que investigações sérias sejam conduzidas sem que se transformem em espetáculos que mais confundem do que esclarecem a opinião pública.


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Por Jornal da República em 14/10/2025

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